Sóletras? Sófrases!

Padre Manuel Ferreira

Desta, tenho que falar-lhes de um assunto gramatical solenemente insuportável. Mas juro, palavra de honra, não tornarei a mexer nele!

Há anos, num aeroporto, um Senhor Director Provincial da Educação, viu-me e exclamou: - Oi , há quanto tempo não lhe via...

Topam logo o erro, que está nesta exclamação? Pois é, o Senhor Director não podia dizer não lhe via, mas tinha que dizer não o via.

Não se trata aqui de uma esquesitice, ou mania, ou mesquinhês, ou purismo linguístico. Trata-se de um problema sério, na medida em que se pode expandir. Se tu quiseres aprender francês, ou italiano, ou outra língua, vais ter logo a tendência de traduzir este erro para essas línguas. Ora este erro, nessas línguas, sobretudo na francesa, é intolerável. Mas dir-me-ás que ainda nem viste onde é que está o famoso erro!

Repara para as seguintes frases, e verifica se é assim que costumas falar ou escrever:

Essa moça, encontrei-a ontem na Baixa. Vi-a triste. Vi-lhe até duas lágrimas nos olhos. A polícia andava a procurá-lo. E foi encontrá-lo numa loja. Prendeu-o e encontrou-lhe droga nos bolsos. A polícia descobriu os três bandidos. Encontrou-os com a boca na botija, e meteu-os na cadeia. E, afinal, havia também duas mulheres, no grupo. Foram encontrá-las numa palhota, lá para os lados do Dondo.

Trata-se, então, do problema dos complementos directo e indirecto, quando eles se exprimem com o pronome pessoal complemento da terceira pessoa. Muitos verbos pedem complemento direto: dar, receber, amar, comer, beber, ver, encontrar, etc. Às vezes aparece também o complemento indirecto, mas é bastante raro. Quando esses complementos se exprimem com o pronome pessoal da terceira pessoa, o directo é: vi-o, vi-a, vi-os, vi-as. E o indirecto (que geralmente pressupõe o directo) é: vi-lhe, vi-lhes. E se houver sobreposição dos dois complementos, então dirás: vi-lho, vi-lha, vi-lhos, vi-lhas. Complicado? Mas olha que isto não é só em português. Trata-se de lógica, e  a lógica é universal!