Coube-me a difícil tarefa
de apresentar o livro “O lado Oculto” e a sua autora para um público que,
provavelmente, precisa mais da minha apresentação do que da autora aqui
presente. Para todos os efeitos, eu sou Dany Wambire.
Sei que o que pesou para
que eu fosse convidado, ou melhor ordenado (pela Dra. Mónica) para apresentar
este livro foi o facto de eu ser o director da revista literária Soletras- a
Sopradora de Letras, editada cá na cidade da Beira ― e aqui eu fui apanhado na curva, pois,confesso-vos já, que quando
criei/criamos a Soletras, que dirijo, não imaginei que me aguardassem tarefas
difíceis, como esta de apresentar um livro.A intenção era de apenaseu ser chefe
em alguma coisa.
Entretanto, acabei
aceitando o desafio de apresentar este livro, pois já tinha aceitado um outro,
bem maior que este, o desafio da existência. Afinal, fácil é morrer e na morte
viver.
Não falo da morte com o
propósito de amargar a cerimónia ou de proporcionar momentos de humor. Neste
livro, costurado sobretudo com vozes femininas, fala-se da morte de forma
recorrente, provando o que Mia couto tem estado a dizer “os mortos africanos
não morrem nunca”, e isto está longe de ser uma falsidade.
Em “O lado oculto”, um
conjunto de 10 estórias espirituais, os antepassados, sobretudo os “mal-mortos”
(quero dizer os que foram mortos injustamente) fazem-se presentes na vida dos
seus assassinos ou dos descendentes com o intuito de exigirem justiça ou de se
vingarem.E aqui, há uma particularidade,
os assinados também exigem justiça, contrariando a justiça moderna.
Na obra, esta jovem
repórter, prefere os ingredientes do jornalismo em detrimento dos da arte
literária, deixando as fontes falarem por si, sem tantamaquilhagem da artista.
E todas as personagens, apesar de se lhe duvidarem os nomes, têm almas
identificadas ― são africanas.
As personagens deste livro
são quase todas sofredoras. A causa do sofrimento são os maridos espirituais.
Flávia e Isabel tiveram dificuldades de ter filhos por causa deles; os maridos
espirituais impedem a Ivete e a Cristina de serem aceites pelos pais dos
noivos; nas vidas conjugais de Cleusa, Magda, Ivete e Ntsai os “maridos
espirituais” fazem tremendos estragos, pondo os seus casamentos de pernas para
o céu.
Neste livro, de apenas 75
páginas, Lídia procura dar espaço aos “sem-território”, as pessoas, que estando
a viver a modernidade, sofrem de doenças da tradição africana. E essas doenças,
a modernidade, com a sua arrogante e ignorante ciência, mostra-se incompetente
de as curar.
Lídia Mussá consegue bem ser o eco dessas
vozes, consegue ser uma nação móvel, procurando fazer jus ao nome histórico com
o qual foi baptizada à nascença – isto
provavelmente vocês sabem que Lídia era o nome de um país da Ásia Menor (actual
Turquia), que vigorou até o ano 546 A.C
Entre os dois grandes grupos
de escritores (separado por um critério pessoal), enquadro a Lídia e a sua escrita,
no segundo grupo de escritores, cujo expoente é Paulina Chiziane. O grupo
desses escritores preocupa-se mais com o conteúdo do texto, muitas vezes
apresentado de forma explícita. Sendo os temas, na sua maioria, ligados à
tradição e espiritualidade africanas.
Já o segundo grupo de
escritores tem, como seu expoente, Mia Couto. Este grupo de escribas
preocupa-se mais com a beleza de texto. E à prosa, para lhe dar beleza, muitas
vezes, recorre a poesia, o método para fazer chegar a mensagem contida na prosa.
Sem mais nada, lembro-vos
que a Lídia veio de longe e não pode voltar com bagagem que nos trouxe! Leiamos
este livro, que é uma ponte para o passado e vice-versa.
Dany Wambire
8 de Maio de 2014
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