terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Ocultando a ciência para ver «O lado oculto» de Lídia Mussá



Coube-me a difícil tarefa de apresentar o livro “O lado Oculto” e a sua autora para um público que, provavelmente, precisa mais da minha apresentação do que da autora aqui presente. Para todos os efeitos, eu sou Dany Wambire.

Sei que o que pesou para que eu fosse convidado, ou melhor ordenado (pela Dra. Mónica) para apresentar este livro foi o facto de eu ser o director da revista literária Soletras- a Sopradora de Letras, editada cá na cidade da Beira ― e aqui eu fui apanhado na curva, pois,confesso-vos já, que quando criei/criamos a Soletras, que dirijo, não imaginei que me aguardassem tarefas difíceis, como esta de apresentar um livro.A intenção era de apenaseu ser chefe em alguma coisa.

Entretanto, acabei aceitando o desafio de apresentar este livro, pois já tinha aceitado um outro, bem maior que este, o desafio da existência. Afinal, fácil é morrer e na morte viver.

Não falo da morte com o propósito de amargar a cerimónia ou de proporcionar momentos de humor. Neste livro, costurado sobretudo com vozes femininas, fala-se da morte de forma recorrente, provando o que Mia couto tem estado a dizer “os mortos africanos não morrem nunca”, e isto está longe de ser uma falsidade.

Em “O lado oculto”, um conjunto de 10 estórias espirituais, os antepassados, sobretudo os “mal-mortos” (quero dizer os que foram mortos injustamente) fazem-se presentes na vida dos seus assassinos ou dos descendentes com o intuito de exigirem justiça ou de se vingarem.E aqui, há uma particularidade, os assinados também exigem justiça, contrariando a justiça moderna.

Na obra, esta jovem repórter, prefere os ingredientes do jornalismo em detrimento dos da arte literária, deixando as fontes falarem por si, sem tantamaquilhagem da artista. E todas as personagens, apesar de se lhe duvidarem os nomes, têm almas identificadas ― são africanas.
As personagens deste livro são quase todas sofredoras. A causa do sofrimento são os maridos espirituais. Flávia e Isabel tiveram dificuldades de ter filhos por causa deles; os maridos espirituais impedem a Ivete e a Cristina de serem aceites pelos pais dos noivos; nas vidas conjugais de Cleusa, Magda, Ivete e Ntsai os “maridos espirituais” fazem tremendos estragos, pondo os seus casamentos de pernas para o céu.

Neste livro, de apenas 75 páginas, Lídia procura dar espaço aos “sem-território”, as pessoas, que estando a viver a modernidade, sofrem de doenças da tradição africana. E essas doenças, a modernidade, com a sua arrogante e ignorante ciência, mostra-se incompetente de as curar.

 Lídia Mussá consegue bem ser o eco dessas vozes, consegue ser uma nação móvel, procurando fazer jus ao nome histórico com o qual foi baptizada à nascença – isto provavelmente vocês sabem que Lídia era o nome de um país da Ásia Menor (actual Turquia), que vigorou até o ano 546 A.C

Entre os dois grandes grupos de escritores (separado por um critério pessoal), enquadro a Lídia e a sua escrita, no segundo grupo de escritores, cujo expoente é Paulina Chiziane. O grupo desses escritores preocupa-se mais com o conteúdo do texto, muitas vezes apresentado de forma explícita. Sendo os temas, na sua maioria, ligados à tradição e espiritualidade africanas.

Já o segundo grupo de escritores tem, como seu expoente, Mia Couto. Este grupo de escribas preocupa-se mais com a beleza de texto. E à prosa, para lhe dar beleza, muitas vezes, recorre a poesia, o método para fazer chegar a mensagem contida na prosa.

Sem mais nada, lembro-vos que a Lídia veio de longe e não pode voltar com bagagem que nos trouxe! Leiamos este livro, que é uma ponte para o passado e vice-versa. 
Dany Wambire
8 de Maio de 2014

Sem comentários:

Enviar um comentário