sábado, 6 de dezembro de 2014

“nós, os da nova vaga literária, somos motivo de muita incerteza”






Ele chama-se Lino Mukurruza. Quem…? Lino, aquele que pela Literatas perfumava o Moçambique e o mundo com os seus poemas instigantes e intrigantes. É ele que também se ocupa do activismo literário no Clube de Escritores e Poetas Amigos do Niassa (CEPAN). Ora, ele veio com parte dos seus poemas reunidos e apresentados como se fossem vontades de partir para onde o próprio autor mal sabe. 

Lino lançou no dia 28 de Fevereiro de 2014, no Instituto Camões, em Maputo, o seu livro de estreia, nominado “Vontades de Partir e Outros Desejos”. Então, por essa e outras desconhecidas motivações, a Soletras foi no encalço do poeta para prestar declarações nas suas páginas.



Soletras: Quem é mesmo Lino Mukurruza

Lino: Sou um jovem, à semelhança de vários outros jovens deste país. Nasci em Lichinga, a 4 de Maio de ano incógnito. Começo a escrever no novo milénio. Nessa altura, ingresso em movimento, que mexia com a literatura. No único movimento, que existia, na altura, na escola de Comboni, arredores de Quelimane. Então fui publicando algumas coisinhas, num jornal que lá existia. Eu e outros jovens publicávamos contos, fábulas e poesias. Depois, por algumas razões, decido voltar à terra natal, Lichinga, porque os meus pais viviam lá. Em 2008, ingresso no clube de escritores e poetas amigos de Niassa, Cepan. Esse clube havia surgido, uns anos atrás, concretamente em 2003, e os seus objectivos eram óbvios: divulgação da literatura e também fazer emergir novos autores. Eu interessei-me, com o propósito deles, e ingressei no clube, para dar o meu contributo à província. E também puder crescer, ao nível da poesia.

Soletras: Atendendo que estava a iniciar a carreira, quais foram as pessoas que o ajudaram a ler, a comentar os seus textos, para seu crescimento?

Lino: Primeiro, a família. A família é importante, para qualquer artista. Ela ensina-lhe como se comportar, através dos princípios morais. Depois, os professores, que me foram dando alguns incentivos, de modo que eu pudesse crescer, quer ao nível geral do conhecimento, quer ao nível da própria vontade literária, e outros incentivos. Mas também acabam por existir alguns incentivos críticos, que o próprio leitor cria, dentro de si, através da leitura.
Uma das coisas que eu tenho dito, é que a gente tem um grande professor, que é a leitura. As obras e autores, que a gente vai lendo, são o ponto focal, para que tenhamos alguma evolução, na escrita. Então, os autores, que me foram influenciando, têm como consequência aquilo que é a minha escrita. Nisto, também tive influência dos escritores moçambicanos. Alguns deles me deram um puxão, para que eu tivesse esse crescimento, que tenho.

Soletras: O livro “Vontades de Partir & Outros Desejos”, que é que nos sugere? É para partir, para onde mesmo? 

Lino: A sociedade é o ponto focal neste livro. As temáticas, que ela própria vive, as dinâmicas, que ela própria sugere, no dia-a-dia. Então, acabou por aparecer algum rabisco do que esta sociedade escreve, embora sem papel. Escreve de forma falada, de forma memorizada, etc. E eles dizem “A morte é um destino”. E eu, na tentativa de ir à busca desse pensamento, que me poderia levar a uma possível resposta. Então, eu tento responder a isso, sob esta forma: E na tentativa de desenhar uma fórmula, para responder a esta equação, que me é ofertada pela sociedade, escrevi o livro “Vontades de Partir & Outros Desejos”.

Soletras: Então, neste livro, o poeta sugere-nos a morte, como algo de certo modo “aprazível’? “Vontades de partir & Outros Desejos” é, de facto, uma convocação para a Morte?

Lino: Não diria uma convocatória para a morte, porque ela não precisa de convocar [ela leva, quando lhe apetecer]. De qualquer maneira, são algumas sugestões de como as pessoas acabam por perceber esta morte, como algo obscuro, de que as pessoas não querem saber de nada. Eu acho que as pessoas devem dar-lhe o mesmo tratamento que dão à vida. Tento estabelecer uma fórmula de igualdade [as duas adversárias], entre a morte e a vida. É essa perspectiva que eu trago no meu livro.

Soletras: Lino, agora sente-se com vontades ou desejos realizados, depois da escrita deste livro?

Lino: Não, não, não… realizar desejos é uma coisa muito difícil. Com um livro, o poeta não se pode sentir realizado, o escritor não se pode sentir realizado, sobretudo porque mais trabalho vai continuar a exigir-se-lhe. Para realizar um sonho, a vontade de um poeta, é preciso muito trabalho, ao nível da própria escrita. O que aconteceu foi apenas um voo, o primeiro passo, para a sua realização.

Soletras: O seu livro foi lançado no dia 28 de Fevereiro do corrente ano, no Instituto Camões, em Maputo. Confesse-nos, a recepção do livro foi das esperadas?

Lino: Foi lançado, no dia 28, esta data não me vai sair da memória. O lançamento do livro foi co-organizado pelo movimento literário Kuphaluxa, pela FUNDAC e pelo Instituto Camões.

Em termos das expectativas, não as conseguimos superar. Esperávamos um pouco mais, desse lançamento. Mas deu no que deu… o caminho é para a frente.

Soletras: Então, quer-nos dizer que há pouco interesse pela literatura, ou, pelo menos, pelos escritores estreantes? 

Lino: Pouco interesse pelos nossos escritores, eu podia dizer que sim. Porque não faltou a divulgação do próprio livro. Quase todas as escolas daqui da capital souberam do lançamento, através de cartazes. Também tivemos um leque de divulgação, através de rádios, televisões e jornais. Entretanto, eu acho que existe algum receio ou pouco interesse pela literatura. Devemos trabalhar muito, para criarmos para tal, de modo a não sermos cruéis para com a literatura. Se continuarmos assim, posso dizer que ainda somos bárbaros, para o mundo da literatura.  

Sou estreante, mas o facto de sê-lo não podia ser o motivo, para que as pessoas não viessem ao lançamento. Pelo contrário, eu acho que o facto de ser estreante poderia galvanizar estes estudantes a irem lá, para ver como um escritor se comporta ou se expressa. Portanto, era suposto que os estudantes e académicos pudessem estar lá, para ver essa progressão da literatura.

Mas, muitas vezes, nós, os da nova vaga literária, somos motivo de muita incerteza por parte das pessoas… mas a nova literatura está a trazer promessa de grandes escritores, e isto é bom, para a nossa literatura. E isso deve chamar a atenção aos críticos literários, para eles não apenas se preocuparem só com os escritores que já têm alguma tarimba, porque os novos são os que com eles vão trabalhar, nos próximos anos.

Soletras: Lino, quer-nos dizer alguma coisa, que não lhe perguntámos?

Lino: Os jovens devem ingressar nos movimentos literários. Os movimentos literários são uma escola. Aqui, vou citar alguns movimentos muito expressivos existentes no país. Falo do clube de escritores e poetas amigos do Niassa. Os seus integrantes, de forma colectiva, vão crescendo e aprendendo a fazer as coisas. Depois, temos o movimento Xitende, de Gaza, que também move a literatura. Existe também o movimento literário Kuphaluxa, da capital do país, cujos trabalhos tive o prazer de presenciar. Aqui se discutem ideias, a partir das quais as pessoas vão crescendo, nas formas mental e técnico-literária. E uma coisa, que me marcou, aqui no Kuphaluxa, é a da existência de uma oficina literária, coordenada pela professora Fernanda Angius, onde os escritores do movimento aprendem um pouco mais, sobre a literatura, aumentando-lhe a qualidade.   
Depois, outra coisa, as pessoas não podem preocupar-se em cedo publicarem. Publicar não é sinal de que a pessoa está madura. Quando nós quisermos publicar, devemos ter muito cuidado, porque nos podemos arrepender, depois. Devemos esperar, para amadurecermos um pouco, depois de muito trabalhar o texto. Este é o conselho que eu dou aos que ainda não publicaram.(Redacção). 

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