Margarida
Joaquim é uma jovem escritora beirense, que venceu o “Prémio Karingana Wa
Karingana”, em 2012, cujo júri foi presidido pelo conceituado escritor Mia
Couto. O prémio consistiu na atribuição de uma bolsa de estudos no ensino
superior. Actualmente, a escritora encontra-se em Portugal a frequentar o curso
de Ciências de Comunicação na Universidade do Minho.
Apesar da distância espacial, no
gozo das vantagens proporcionadas pelas tecnológicas de informação e
comunicação, a Soletras galgou quilómetros e milhas de modo a trazê-la ao seu
povo e à sua terra, através duma entrevista.
Revista Soletras:
Margarida, de repente saiu do silêncio e entrou no “barulho” literário, ou seja,
do anonimato para a ribalta. Diz-nos quem mesmo é Margarida Joaquim?
Margarida Joaquim: Sou filha única de um
contabilista e de uma professora, natural da cidade da Beira de onde saí aos 17
anos de idade apenas para fazer o curso superior de jornalismo, em Maputo.
Desde pequena tive os meus sonhos traçados e, com a ajuda dos meus pais, que
acreditaram que podia concretizá-los, entrei no ensino superior, primeiro na
UEM e depois na Universidade do Minho, em Portugal.
Sou amante de animais; na Beira tenho um cágado, que é um companheiro
indispensável quando decido escrever sobre alguma coisa.
A paixão pela comunicação surgiu-me aos 8 anos, ao integrar o clube dos
apresentadores dos programas infantis na Rádio Moçambique, delegação da Beira.
Quando terminei a 12ª classe, entrei para a UEM no curso de jornalismo, o
qual frequentei apenas dois semestres, sempre com os olhos postos num futuro brilhante
na área jornalística. A minha decisão pelo jornalismo foi um “ choque” para o
meu pai. Mas tanto ele como a minha mãe sempre me apoiaram. Eles mantiveram
igual apoio quando surgiu a oportunidade de me mudar para Portugal, embora
pouco reticentes. Actualmente estudo Ciências da Comunicação na Universidade do
Minho.
Soletras: Como e quando começa a ter queda pela escrita?
Margarida: Os meus pais sempre tiveram livros em casa e eu cresci lendo-os a todos, um
a um. O primeiro livro de que me recordo ter lido é "Nós Matamos o Cão
Tinhoso", de Luís Bernardo Honwana. Quando o lia mal percebia a história
de tão pequena que era, mas sentia-me realizada por fazer parte daquele mundo
da literatura, de certa forma. De tanto ler livros, não apenas literários como
também educativos e até mesmo didácticos, percebi que queria, um dia, em algum
lugar, fazer com que as pessoas lessem algo escrito por mim. O mundo literário
era-me mágico e agradavelmente viciante, queria fazer parte dele de uma forma
mais envolvente, como escritora.
A minha paixão pela literatura é, portanto, bastante antiga, vem desde os
tempos em que aprendi a ler e comecei a passar tardes e noites a ler e reler os
contos todos que havia nos livros de português. Depois, quando me dei conta que
também podia gravar as minhas ideias em papel e que podia fazer tudo acontecer
na escrita, já que na literatura não há fronteiras, a paixão e o interesse
multiplicaram-se a ponto de não mais se esconderem dentro de mim e
transbordarem para o papel.
Soletras: Quais foram os autores que mais leu e de que mais gosta?
Margarida: Os autores que mais li são todos moçambicanos. Gosto imenso de Mia Couto,
de Luís Bernardo Honwana (tenho muita pena de ter apenas “O cão tinhoso”), de
Calane da Silva e de Paulina Chiziane. Como não sou muito poética, poucas vezes
li José Craveirinha, mas foram vezes bastante agradáveis.
Mia Couto é, sem sombra de
dúvidas, o que mais li até hoje. Agrada-me a forma como ele brinca com as palavras
e a magia que ele faz questão de colocar nas suas obras. Ele aproveita bastante
a arte da escrita para ir além, em cada obra traz-nos histórias que, mesmo
sendo romances têm um lado poético que chama pela inteligência do leitor, e
quando os pontos todos se ligam (o que acontece sempre) a sensação de
satisfação em quem o lê é das melhores possíveis.
Paulina Chiziane como romancista é muito boa. O melhor
dela está, na minha opinião, na sua capacidade de pensar em histórias bonitas
ou dramáticas, na base do que acontece no dia-a-dia e contá-las de uma forma
envolvente, de tal modo que só se pára de ler uma obra sua quando se chega ao
fim. Conta as suas histórias de uma forma bastante simples e usa a linguagem
também do dia-a-dia, é perfeita para os jovens.
Como gosto muito de contos, já li o "Contos moçambicanos
do vale do Zambeze", de Lourenço do Rosário. Gosto muito de ouvir as
histórias tradicionais moçambicanas, que estão cheias de magia e carregadas de
teor educativo, portanto, ler histórias do género é bastante agradável.
Soletras: Sabemos que concorreu à primeira edição do prémio literário “Karingana Wa Karingana”. O que a impulsionou a concorrer para este prémio?
Margarida: Em primeiro lugar, o que me fez
concorrer foi a paixão pela escrita e pela literatura, sem sombra de dúvidas. O
concurso pareceu-me bastante sério, até mesmo pelo seu jurado e pelo facto de ter
contado com o apoio do Ministério da Educação. Acima de tudo, saber que teria
de concorrer com jovens moçambicanos de todas as províncias e que tinham as
mesmas paixões que eu, tornou o concurso um desafio muito aliciante. Sou uma
pessoa que gosta de tentar, e concorrer pareceu-me, na altura, uma aventura que
poderia se tornar muito proveitosa caso vencesse, e, graças a Deus, aconteceu.
Foi como unir o útil ao agradável, caso não vencesse, algumas pessoas
importantes teriam, ao menos, lido algo pensado por mim. Diverti-me escrevendo
o texto e ganhei a minha bolsa de estudos.
Soletras: Do concurso sabemos que foi a grande vencedora! Como é que se sentiu quando soube da notícia?
Margarida: Foi tão bom saber que havia vencido
que pensei que fosse uma paranóia da minha cabeça, ainda mais por ter sido
informada pelo Mia Couto, alguém que tanto admirava (e admiro).
Quando percebi que era tudo real dei-me conta de que,
afinal, alguma coisa de jeito havia feito nas noites em que ficara a escrever
para o concurso, na companhia do meu cágado. Os sonhos, naquele mesmo momento,
começaram a concretizar-se. Naquele momento ocorreu-me uma frase que havia
ouvido de um amigo: Deus está de olho nos nossos sonhos. Tive a certeza
absoluta de que era verdade. Pensei também em escrever uma crónica sobre a
minha emoção naquele momento... mas depois a alegria fez-me esquecer da ideia
no instante seguinte. E tenho, até hoje, pena de não tê-lo feito. Depois pedi a
Mia Couto que ligasse aos meus pais para que tivessem certeza da notícia.
Soletras: Falemos do concurso. O concurso consistia em concluir um conto iniciado pelo renomado escritor Mia Couto. Não lhe foi difícil a tarefa, tendo em conta o estilo característico de Mia?
Margarida: Foi um pouco difícil. Como às vezes
sou uma pessoa bastante distraída, especialmente quando é para ler coisas
importantes, como regras, não havia percebido a parte em que era para continuar
o texto inicial do Mia Couto. Fiz um conto originalmente meu, e quando estava
quase na décima página voltei a ler o regulamento do concurso e percebi que
estava a fazer tudo erradamente. Mas foi melhor assim, as iniciais de Mia Couto
serviram, afinal, como guia para uma história de algo que ainda tem acontecido
no nosso país: o abandono escolar por parte das raparigas por ordem dos pais ou
encarregados. O meu texto original em nada tinha a ver com este tema e percebi
que era importante tentar espelhar sobre algo que tem acontecido na nossa sociedade,
ainda que agora pareça um assunto resolvido.
Mia devia ter noção que eram jovens com apenas o ensino
secundário que estariam a concorrer, razão pela qual o texto era bastante
simples e de fácil percepção. Com o tema que ele propunha se podiam criar mais
mil histórias diferentes que seriam encaixadas à inicial. É claro que há lá o
seu estilo característico, a própria disposição das palavras é característica,
mas pelo menos se podia pensar em algo para continuar a história à nossa
maneira e com o fim que desejássemos.
Soletras: Falemos da literatura moçambicana. Como avalia o estágio da mesma e, em particular, a jovem literatura?
Margarida: A nossa literatura, por si só, já é
jovem, não há nada que tenha sido publicado e que os jovens não percebam, portanto,
estamos bastante favorecidos porque o que temos é da nossa idade, não há obras
de séculos passados que os jovens possam dizer não perceber.
Desta literatura que já é jovem, podemos distinguir os
mais jovens, que infelizmente pouco se fazem perceber, não por não serem bons
mas pela pouca divulgação dos seus trabalhos. É importante que os “grandes” comecem
a ter uma empatia pelos escritores jovens, que serão os grandes escritores num
futuro próximo.
No geral, Há muitos bons escritores em Moçambique,
escuso-me de falar apenas de Mia Couto que venceu, no ano passado, o prémio
Camões. Se dependesse do trabalho dos nossos escritores estaríamos num óptimo
caminho. Mas a literatura depende também dos leitores, que estão a diminuir
cada vez mais. Falo de Moçambique em particular, mas o problema é do mundo todo.
Os jovens estão a ler cada vez menos, e pior é o facto de as crianças
moçambicanas mal saberem ler. A internet, que deveria ser um forte aliado da
sociedade na difusão e consumo de obras literárias, está a ser muito mal
utilizada, está a marginalizar a sociedade mais jovem. Estamos em um nível em
que grande parte dos estudantes finalistas do ensino secundário não têm nenhuma
obra lida, nem moçambicana nem de um outro país qualquer.
Entretanto, não tenho pensamentos pessimistas com
respeito ao futuro da literatura em Moçambique, bons escritores podem estar a
formar-se e os que já são bons tornar-se-ão ainda melhores. Se daqui a alguns
anos houver mais gente a ler e maior acessibilidade das obras originais (que
ainda são caras para muitos), haverá uma maior difusão dos trabalhos literários
– o que resultará numa maior internacionalização dos mesmos. Por hora a solução
para os nossos problemas é a leitura, os aspirantes a escritores devem ler para
aprender cada vez mais e os demais devem igualmente recorrer à leitura para se
formarem como pessoas cultas e com mentes mais abertas.
Soletras: Quais são os seus projectos literários? Tenciona lançar um livro em breve?
Margarida: Pretendo sim
lançar um livro. Não diria brevemente porque sinto que ainda devo amadurecer um
pouco a minha técnica. Tenho muita coisa escrita que poderia se tornar num
livro, mas não sinto que seja algo relevante a ponto de estar registado
oficialmente e publicado para toda a gente ver. Com isso não quero dizer que
não possa surgir em pouco tempo uma obra minha publicada, estou apenas a
projectar tudo para que seja algo motivador e encorajador para o resto das pessoas
que ainda escrevem escondidas, e que não tenha um “efeito-perverso”. (Redacção)

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