terça-feira, 9 de dezembro de 2014

“escritores não compram os livros dos outros, (...) esperam por ofertas”





 Foi através do poeta Amosse Mucavele que a Soletras conheceu a Lídia Mussá e o foi mesmo Amosse que facilitou o contacto da revista com a escritora, cedendo o número de celular desta.
O contacto começou e logo a jovem escritora manifestou vontade de lançar o seu “Lado Oculto” na Beira. A Soletras concordou, a Prof. Doutora Mónica Bastos, do Centro Cultural Português, também. Organizou-se o necessário e Lídia veio mesmo lançar o seu primeiro livro, longe de imaginar que cairia nas “malhas” da Soletras.
E quando já se preparava para voltar a Maputo, ela foi assaltada pelo gravador da Soletras, empunhado por Cremildo da Cruz, o editor da mesma, que antes lhe disse “você não sai da Beira sem gravar entrevista”. E essa Lídia fez o quê…? Momentaneamente aflita, mais para a espada do que para a parede, espremeu a sua alma nas linhas que se seguem.

Soletras: Quem é Lídia?
Lídia Mussá: Lídia é uma jovem moçambicana, de 28 anos de idade, cresceu em Maputo, casada e mãe de um filho.

Soletras: Fale-nos do seu perfil.
Lídia: Já muito cedo escrevia textos para os jornais Savana e Zambeze. Na altura tinha apenas 17 anos. Depois, a paixão pela escrita foi crescendo e comecei a trabalhar para o jornal Magazine Independente. Em 2006, decidi começar a escrever o livro “O Lado Oculto”.

Soletras: Como isso começou? O que a motivou a escrever esse livro?
Lídia: Acho que o sentimento de angústia foi o que me motivou para escrever essa obra, tendo em conta aquilo que via acontecer nos lares e na medicina tradicional. Talvez seja uma curandeira no futuro, quem sabe. Mas, o lado espiritual foi o que mais pesou para que decidisse escrever esse meu primeiro livro.

Soletras: Como vê a literatura moçambicana?
Lídia: A literatura moçambicana está a crescer. O que falta são os apoios e o carinho aos escritores. Nós principiantes sentimo-nos sós porque não há empresários interessados em patrocinar os nossos trabalhos, os poucos que existem não são muito sérios. O escritor lança um livro e é tudo, não há muito apoio para a divulgação da obra nem interesse em desenvolver aquilo que o escritor produziu, investindo o seu tempo e energia. Há ainda uma grande necessidade de se investir mais na literatura.

Soletras: Disse que a literatura está a crescer. Há sinais?
Lídia: Sim. Há cada vez mais obras a serem lançadas em pouco pelo país – o que não acontecia até cinco anos atrás. São obras de novos escritores e jovens de cinco anos para cá. Muitos escritores estão a revelar-se e isso é muito bom.

Soletras: Falou do crescimento da literatura e indicou números, isto é, há quantidades. O que se pode dizer em termos qualitativos?
Lídia: O trabalho literário que tem vindo a ser desenvolvido é bom. Por aquilo que tenho estado a ver, a literatura moçambicana em geral tem uma qualidade apreciável, o que realmente falta é a união entre nós os escritores. Os já renomados escritores moçambicanos, falo de Mia Couto, Ungulani, Paulina Chiziane e outros, passaram por isso e por sua persistência aos poucos foram crescendo. Isso aconteceu aos poucos. É assim que também devemos proceder. Acredito que se houvesse mais amparo por parte deles aos mais novos, haveria muito mais qualidade nos nossos trabalhos literários.

Soletras: Como encara a relação (se existe) entre os escritores “mais velhos” e os “mais novos”?
Lídia: a relação que existe é ainda incipiente, pelo que devia ser aumentada. Acho que devia haver mais encontros, palestras e estudos envolvendo ao mesmo tempo escritores renomados e os novatos. A troca de experiências e de impressões só faria muito bem à nossa literatura. Eu, pessoalmente, numa escala de zero a dez, atribuiria uma nota de seis e meio (6,5) à qualidade da relação existente entre os escritores.

Soletras: Onde encontra a inspiração para escrever?
Lídia: Na vida, no quotidiano. Eu faço poemas, mas penso que não são para serem publicados, são de consumo individual por conterem assuntos direccionados. Aprecio a literatura, os livros e a arte em geral. O que vejo no dia-a-dia faz parte da minha inspiração e o que constitui uma angústia para mim deve ser exposto em papel. Ao ver algo que prejudique alguém, sinto-me obrigada a escrever.

Soletras: Há algum escritor em quem se inspire ou que constitua seu mestre?
Lídia: Eu não tenho ídolos na literatura apesar de apreciar trabalhos de muitos escritores moçambicanos e gosto de ler um pouco de tudo. Nunca sigo os passos de algum escritor e isso acontece comigo na música, não tenho tido a vontade de ser fanática de ninguém. Eu não venero as pessoas. Graças a Deus, tenho lido muitas obras nacionais e internacionais, apesar de não serem de fácil aquisição. Aprecio bastante Paulina Chiziane, como escritora, e tenho estado a ler muitas das suas obras. Gosto particularmente das histórias que Aldino Muianga escreve nos seus livros.

Soletras: Mudemos para o outro extremo da literatura. Como avalia a reacção do público leitor em relação às obras publicadas?
Lídia: para ser sincera, diria que as pessoas lêem pouco. E isso também é aplicável aos próprios escritores. Os escritores não compram os livros dos outros, simplesmente esperam por ofertas e se isso não acontece, pura e simplesmente não terão a ocasião de ler o livro publicado. Em geral, são poucas as pessoas que compram e lêem os livros. Na verdade, no lançamento de um livro, se prestarmos a devida atenção, quem mais compra os livros são os familiares do escritor, amigos e alguns curiosos em saber realmente o conteúdo e o autor do livro publicado, mas depois disso muitas vezes não chegam a ler a obra. Acho que devia haver mais programas com o objectivo de as pessoas poderem adquirir e ler os livros

Soletras: Como é que isso pode ser corrigido?
Lídia: não tenho uma solução exacta neste momento, mas o que acontece é que as pessoas não têm a cultura de ler, e procurarmos a razão disso na cabeça das pessoas não é assim tão fácil. É mais difícil ainda quando se trata de pessoas já crescidas porque a leitura rouba-lhes tempo e as pessoas não querem esperar, não gostam da demora. Para elas, é mais fácil sair para passear por aí e tomar algumas cervejas do que sentar para ler um livro. A solução disso seria investirmos nas crianças para desenvolvermos o gosto pela leitura, como se diz “é de pequeno que se torce o pepino”. Isso seria um passo muito grande. Temos que trocar videogames por um livro de histórias infantis. É também muito bom levar as crianças aos lançamentos de livros, feiras de livros e até lhes criarmos um armário com livros infantis e assim elas vão crescendo com esse bom hábito. Acho que é só assim que vamos conseguir formar leitores, mas com os jovens e adultos seria muito mais difícil.

Soletras: Concebe a literatura como profissão?
Lídia: Simplesmente a literatura faz parte de mim. Como profissão acho que não encaro a literatura. Porque profissão é aquilo que temos a obrigação de fazer todos os dias, então para mim não é profissão.

Soletras: Então, aonde quer chegar com a literatura?
Lídia: Esta pergunta é muito madura, mas a resposta que tenho ainda não o é. Não me atrevo a dizer aqui e agora aonde quero chegar porque não sou muito de sonhar alto, os meus sonhos são sempre ou quase sempre muito limitados. Penso que as obras e o tempo irão determinar o que virei a ser no futuro. Na verdade, ainda não sei aonde quero chegar. Neste momento, tudo o que quero é crescer e amadurecer na literatura.

Soletras: Existem projectos a curto ou médio prazo que pretenda realizar?
Lídia: Neste momento estou mais empenhada na divulgação de “O Lado Oculto”, fazendo muitas viagens e pesquisas.

Soletras: A propósito, ontem (dia 8 de Maio de 2014) testemunhamos o lançamento deste seu primeiro livro, “O Lado Oculto”. Tendo em conta a temática da sua obra, qual é o outro lado, o não oculto?
Lídia: É o lado que estamos a viver neste momento em que gravamos esta entrevista. Eu quis trazer aquele lado que não é conhecido por muitos, é de acesso restrito a algumas pessoas.

Soletras: Como foi a construção do seu livro?
Lídia: Foi muito difícil. Comecei a escrevê-lo aos 17 anos. Em algum momento desisti de escrevê-lo, acho que foi pelo facto de, na altura, estar muito “verde” aliado ao facto de ser um assunto de difícil acesso. Apenas ouvia falar de marido espiritual, mas não sabia o que era exactamente.  Acredito que o que vem no livro é muito pouco em relação aos factos achados (o que vi, aprendi e vivenciei), talvez quisesse poupar os leitores e a mim mesmo. “O Lado Oculto 2” espera-se que seja um pouco mais leve em relação ao ora lançado.

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