“Os
Sete Pecados Capitais” é uma colectânea de textos de autores de diferentes
países, nomeadamente Argentina, Brasil e Moçambique. É um conjunto de poemas,
contos e crónicas da actualidade, publicado pela Edições AG, sedeada em Brasil.
O livro resulta de um concurso literário levado a cabo o ano passado e agrupa
os melhores textos seleccionados pelos promotores da iniciativa.
Os
sete pecados capitais, também conhecidos como pecados mortais, são atitudes
humanas contrárias às leis divinas. Foram definidos pela Igreja Católica, no
final do século VI, durante o papado de São Gregório Magno, por São Tomás de
Aquino. São os pecados "cabeças", princípios, pontos de partida de
outros pecados. Do ponto de vista católico, são sete os pecados capitais: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. Segundo esta linha de pensamento, os demais pecados por nós
cometidos são sempre uma variação de um dos pecados capitais, ou ainda, uma
combinação.
A
ordem aqui apresentada não é linear, não uma ordem fixa na organização destes
pecados. Porém, a nossa leitura segue exactamente a ordem apresentada acima,
não pela gravidade dada a cada um dos pecados, mas sim por mera escolha.
Comecemos
pelo primeiro. A soberba, conhecida também como orgulho, é a vontade de querer ser e mostrar
que se é melhor do que os outros, falta de humildade, arrogância. É pecado
porque nos achamos melhor que todo o mundo, não respeitando o próximo e
passando por cima de tudo e de todos, até dos mandamentos de Deus. A pessoa
torna-se o seu próprio deus, pois a glória de tudo o que faz sempre vai para
ela mesma. É também associada à arrogância e à vaidade.
No
livro, a soberba é referida de forma recorrente nos textos de vários autores
que compõem a obra. “Cansado estou dessa infrutífera violência/Fatigado estou
deste improdutivo diálogo/Não quero mais os surdos/Me dedicarem ouvidos” (poema
de Danito Avelino, Desejo ir, p.22), demonstra a indignação do sujeito poético em relação a
indolência e a arrogância dos seus próximos. Isso é mais notório em pessoas com
algum tipo de cargo, com destaque para os governantes.
São
os governantes que, muitas vezes, vêm do lado político, são confiados pela
população para certos postos, mas depois ludibriam a mesma população que os
confiou: “De júbilo te vais inundar/Com os seus vais festejar//As benesses do
político cargo/Vais gostar e degustar//Indescritivelmente contente/Andas nesses
entrementes/Por esta nomeação incompetente (poema de Danito Avelino, A Promoção, p. 23).
Só
para mostrar o que a pessoa soberba, vaidosa, é capaz de fazer, o sujeito
enunciador em A dose certa traz-nos um pensamento exaustivo em relação a este pecado. Vê-se que
o soberbo não tem escrúpulos, chegando a pôr fim à vida dos outros, tal como a
seguinte passagem textual bem evidencia: “Apenas uma jurada sobreviveu, ilesa.
Todos morreram envenenados” (p. 101) “Num vídeo que postou antes de morrer
contou toda a estória…e como envenenou os jurados por terem rido a ousadia de
não lhe darem nota dez” (conto de M.V. Berardo, A dose Certa, p. 102).
Assim,
o lado contrário da soberba, o que pode salvar as pessoas da soberba é uma
coisa: a humildade. É o oposto à soberba, visto como a primeira das virtudes
humanas: “Ao pensar e reflectir com o coração/A razão fica de lado, aflora a
Humildade” (poema de Rosana Capri, Antídotos, p. 64). Só isso pode salvar a alma do homem, deixar o orgulho para
cultivar a humildade, com esta há muitos ganhos, é o ponto de partida das
outras virtudes, vistas como divinas e que levam à salvação.
A
avareza é vista como
o apego excessivo e descontrolado aos bens materiais e ao dinheiro,
priorizando-os e deixando Deus para o segundo plano. É considerado o pecado
mais tolo por se firmar em possibilidades. É demasiada ambição e apego ao
dinheiro, desejo insaciável de adquirir e acumular bens materiais e enriquecer
e ter desconfiança de outras pessoas. O dinheiro passa a ser tudo para a
pessoa, que chega a acreditar que com o dinheiro pode fazer tudo e comprar
tudo, inclusive as pessoas. As pessoas passam a valer-lhe menos que o dinheiro.
No
livro “Os 7 pecados capitais”, a avareza é descrita com o apego ao dinheiro e
às riquezas acumuladas, sem olhar para os outros nem cultivar as virtudes
divinas. O dinheiro e os bens materiais é o centro da vida do avarento. No
entanto, somos apelados ao desapego a essas coisas. Este apelo é-nos proposto
no trecho seguinte: “Dinheiro é preciso para sobreviver/Mas por ele não se deve
sofrer/O essencial deve bastar/Se daqui nada levamos, melhor se desapegar”
(Rosana Capri, Antídotos, p. 63).
A
luxúria é o desejo
passional e egoísta por todo o prazer sensual e material. Também pode ser
entendido em seu sentido original: “deixar-se dominar pelas paixões”. É o apego
e valorização extrema aos prazeres carnais, à sensualidade e sexualidade;
desrespeito os costumes; lascívia. A vida da pessoa luxuriosa passa a girar em
torno do sexo. O adultério (traição), a fornicação (sexo no namoro ou sexo fora
do casamento), cobiça pela mulher ou homem do próximo, a masturbação, o
homossexualismo e lesbianismo, a zoofilia (sexo com animais) são apontados como
exemplos deste pecado mortal. A passagem textual que segue demonstra o apego aos desejos carnais, sexuais: “Tu cuerpo y
el mío/se funden/crisol/estatua//plata-cobre//derretida/derramada” (Maria
Drese, Vestidura, p. 55).
E
já que a pessoa está sempre ligada ao sexo: os seus actos, as suas atitudes e o
seu pensamento estão sempre virados ao sexo, causando-lhe delírios:
de
repente um vento gelado e cortante…/invade toda minha alma…/como fosse movida
pelo toque de uma brisa…/sinto o toque suave de um beijo seu…/o silêncio que há
em nossa volta parece um convite…/extremamente aceitável para se fazer
amor…/junta-se o calor dos pássaros…/como se ordenassem que as roupas
caíssem…/deixando-nos a nudez fresca pela manhã…/num instante sinto sua mão
deslizar sobre meu corpo nu…/suspiro num intenso prazer sintonizado com você…
(Adriana Silva, A velocidade do amor, p. 17).
A
ideia de delírios através dos pensamentos luxuriosos é secundada por um outro
autor da obra em análise, assim sintetizada: “recebi da chuva/milhares de
beijos/GELADOS,/que chuva safada/me lambendo TODINHO,/beijou meu corpo/do
começo ao FIM/a cabeça, os pés/os dedos/foi importante para mim/a
noite/ÀÀÀTCHIMM/fui cobrado/o preço?/um puta RESFREADO” (Hamilton Lima, O Preço da chuva, p. 41).
A
ira é um intenso
e descontrolado sentimento de raiva, ódio, rancor que pode ou não gerar
sentimento de vingança. É um sentimento mental que conflitua o agente causador
da ira com o irado. Torna a pessoa furiosa e descontrolada, e com o desejo de
destruir aquilo que lhe provocou a ira. Seguindo esta linha de raciocínio, o
castigo e a execução do causador pertencem a Deus: “Ter que viver com canibais
que devoram sem culpa os nossos sentimentos//monstros que se escondem em máscaras
de anjos//Um toque que seria de ternura e amor,/Que as vezes me causa dor” (Fernanda Morais, Rosas sem
espinhos, p. 30).
Trata-se
de um mal que causa danos a toda a sociedade. Tal que são os membros da
sociedade que se levantam em desagrado e se manifestam através de greves, de
motins, para desabafarem: “Estou cansado deste regime/Dos mais inusitados
viventes/Tantos quantos são os crimes/de que acusados são/essas serpentes sem
dente (Danito Avelino, Desejo ir, p. 22).
Mas
há um antídoto para isso. Este nos é, mais uma vez, sugerido através da prática
da generosidade, do perdão, do amor: “O peito fica pesado/Quando o
ressentimento é alimentado/Pelo rancor e indignação/Que só serão dissipados com
Amor e Perdão” (Rosana Capri, Antídotos, p. 63).
A
gula
caracteriza-se pelo desejo insaciável, além do necessário, em geral por comida,
bebida. Segundo tal visão, esse pecado também está relacionado com o egoísmo
humano: querer ter sempre mais e mais, não se contentando com o que se já tem.
É uma forma de cobiça. Ela seria controlada pelo uso da virtude da temperança:
“Os desejos egoístas e exagerados/Tomam conta dos gulosos/Que esquecem dos
miseráveis e esfomeados” (Rosana Capri, Antídotos, p. 63).
Tal
que os gulosos chegam a perder a cabeça e a noção de existência. Tudo por causa
do vício da bebedeira, destruindo os seus lares e as próprias vidas:
“Tal
liberdade que estou sentindo,/Alucinações que o chão está se abrindo.//Sou um
pássaro que acabou de ganhar liberdade,/Sensação estranha de tamanha
futilidade.//Pensei que era pássaro e que poderia voar,/Voei para um lugar que
não tenho como mais voltar/Uma viagem eterna que fez muitas pessoas por mim
chorar” (Fernanda Morais, Viagem eterna, p. 29).
A
inveja é o desejo
exagerado por posses, status, habilidades e tudo o que a outra pessoa tem e consegue. O invejoso
ignora tudo o que é e possui para cobiçar o que é do próximo. É considerada
pecado porque uma pessoa invejosa ignora as suas próprias bênçãos e prioriza o status de outra pessoa no lugar do
próprio crescimento espiritual. Está associada à avareza, um desejo por riqueza
material, a qual pode ou não pertencer a outros. Relaciona-se com a cobiça e
todo o tipo de inveja: inveja de mulher/homem, inveja das amizades, inveja do
emprego, inveja dos bens materiais, etc: “Agradecer e Desenvolver a Própria
Habilidade/É certeza do bom futuro,” (Rosana Capri, Antídotos, p. 64). Lembremo-nos que “Deus
deu a cada um para o que lhe for útil”, importa é procurar desenvolver aquelas
habilidades que nos levam a um convívio salutar com os outros.
A
Igreja Católica apresenta a preguiça como um dos sete pecados capitais, caracterizado pela pessoa que
vive em estado de falta de capricho, de esmero, de empenho, em negligência,
desleixo, morosidade, lentidão e moleza, de causa orgânica ou psíquica, que a
leva à inactividade acentuada. É a aversão ao trabalho, frequentemente
associada ao ócio, vadiagem: “Ficar no domingo sem fazer nada, quem sabe até
fumar “unzim”/Encarar uma maratona de filmes dos anos 70” (Maiara Sousa, Anagrama, p. 49).
Pelo
que nos é aconselhado a usar o tempo disponível com sabedoria, fazendo o agradável
aos nossos próximos: “O tempo é Divina Dádiva, deve ser bem Aproveitado/Cada
minuto é um aprendizado” (Rosana Capri, Antídotos, p. 64).
Enfim,
vemos, desta maneira, que os vícios sociais não são uma particularidade, mas
comuns a toda a humanidade. Tal como se nota no livro, conjunto de autores
moçambicanos, brasileiros e argentinos, os pecados mortais perpassam cada um
dos territórios, são transversais, estão para além de uma área circunscrita.
Porém,
é importante que se cultivem as sete virtudes, contrariando os sete pecados:
“Para os venenos da alma serem neutralizados/É preciso utilizar os antídotos
das virtudes” (Rosana Capri, Antídotos, p. 64); com o intuito de purificar a sociedade que há muito anda
corrupta.
Bibliografia
AAVV, Os 7 pecados
capitais, São Paulo: All Print, 2013.

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