quarta-feira, 1 de abril de 2015

Editorial de Março de 2015: Urge a descentralização cultural


Nós, todos os artistas, devemos ficar no Maputo? Foi uma pergunta que um músico beirense fez, sem a pretensão de obter qualquer resposta, ao Ministro da Cultura e Turismo, Silva Dunduro, durante uma reunião, que este teve com os artistas beirenses, na casa Provincial de Cultura de Sofala, a 13 de Março de 2015. 
A alocução do músico, Mano Américo, como é conhecido nos meandros musicais, foi emocionante e arrancou muitos aplausos aos seus pares. Diga-se, em abono da verdade, que expressava sentimentos não fabricados na mente, mas sim, no lume do coração. O artista sentia na pele as dificuldades de estar longe da capital Maputo, tida como centro das oportunidades.
As capitais das nações, naturalmente, tornam-se importantes, por hospedarem a máquina central do Estado, e por em torno delas gravitarem as decisões governamentais. Entretanto, no caso da cultura, elas acabam por abafar as manifestações culturais existentes no resto do país, quando os seus dirigentes culturais se distraem. E isto abre espaço para o êxodo provinciano ― ou seja, a migração, das províncias para a capital. Cada artista a viver nas províncias faz o esforço de chegar à capital, para ter oportunidades e ver valorizada a sua arte.
Os pronunciamentos do Mano Américo terão sido feitos para contestar essa distracção dos dirigentes culturais. Que as iniciativas culturais adoptadas pelo governo devem visar, na prática, todas as províncias do País. O que se vê, na prática, não pode, grosso modo, contrariar o que está no papel.
Para a solução do problema, a descentralização adivinha-se como o melhor remédio. Pois, com a descentralização de instituições como o Fundo para Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC), pode se assistir à cultura e à arte, numa perspectiva holística. Expressões como “nós estamos decepcionados com o FUNDAC”, proferida pelo grupo teatral “Só mulheres”, não deveriam multiplicar-se. O FUNDAC não pode continuar a pôr, na sua lista dos projectos patrocinados, mais projectos de artistas a viverem na capital. E deve parar de enfeitar a fotografia dos patrocínios, com apenas dois ou três artistas de fora da capital. 

Entretanto, estamos cientes de que nem todos os problemas serão resolvidos pelo FUNDAC, ou por outras iniciativas do Ministério da Cultura e Turismo. Aliás, o timoneiro deste pelouro desaprovou a tendência que muitos artistas têm, de verem o sector como o pai dos artistas. E nós também desaprovamos, mas não pela mesma razão. Contestamos, porque se assumirmos o pelouro da Cultura como pai dos artistas, admitimos, implicitamente, que o mesmo possa ser gerido como uma família, sem transparência nem prestação de contas. Pois, na família, não haverá filho, que exija a um pai gestão transparente e prestação de contas.      

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