quarta-feira, 1 de abril de 2015

O professor apaixonado

Daniel Perato Furucuto
Era numa aula simpática de História. Os alunos registavam, nos seus cadernos de notas, os conteúdos de extrema importância. O professor expunha, de forma didáctica, batia na testa e tossia tormentosamente. Uma menina, dos seus 16 ou 17 anos, pediu permissão para ir à casa de banho. O professor pegou no caderno dela, e autorizou-a a sair. Do caderno, tirou uma folha, para escrever algo, que não tinha relação nenhuma com a aula. Pouco depois, enchia a turma de uma explicação imprudente, ou de corta mato. E, enquanto a menina não voltava, ele continuou a espalhar a tinta pela dita folha.
Um aluno levantou a mão, e pediu-lhe que voltasse a frisar os conteúdos, um pouco mais profundo. O docente disse para o aluno aguardar um pouco. Já estava fora da sala e mostrava uma cara aparente de estar inteirado do assunto da aula.
Na hora do recreio, as quatro vistas, do professor e da aluna, sinistramente previam o futuro do pensar de cada um. Ambos olharam para o chão, e, com imenso busílis, ele chamou-a para que viesse ajudá-lo a lançar as notas na caderneta. Levou a prova da pequena, colocou-a em cima do montão das provas que trazia, e antes de iniciar com o trabalho, pediu-lhe que escolhesse a nota que quisesse. A pequena começou a sorrir e sem medo de dizer a verdade acrescentou:
- “dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”! Quem pode decidir é o senhor.
 – Vou-te dar 19 valores, depois o resto vamos acertar – disse o professor.
- Desculpe, Sr. Professor, não precisa de fazer nada, escreva na sua caderneta a nota que aparece na prova – acrescentou a menina.
Nenhuma coisa é mais interessante que o NÃO duma mulher perante um homem. E já dá para imaginar que tristeza abala o coração do homem, naquele momento. Tentou por onde podia, para convencê-la, mas tudo era insatisfatório. Mesmo o retinir das moedas que tinha no bolso não era suficiente para conquistar o coração da miúda. Os alunos começaram a reentrar na sala, porque já era o tempo de entrada. Mandou-os aguardar. Nem aquele sorriso, nem as notas em que tanto confiava, nem o tempo que mandou ficar de fora os alunos, a ver se conseguia aproveitar-se dela, nada ajudou. A resposta continuava aquele inalterável NÃO. Prometeu que lhe daria todo o salário daquele mês. Mas nada pode comprar os sentimentos de alguém.
Como forma de se livrar, a menina ameaçou que ia levar a informação até à secção pedagógica e aos seus pais. O professor, ajoelhado, começou a suplicar-lhe que não voltaria a reiterar a mesma situação, e que não passou da cabeça do diabo. Mas a menina continuava a colocar lenha no fogo, dizendo que não podia aceitar a desculpa dele, que o que ela queria era levar a informação até aos superiores da escola. Enchia a infelicidade na cara do professor, acompanhada de tremendas, sustos e arrependimento. E depois ele ganhou coragem e disse-lhe:
- “vai queixar, vai, levanta agora, senão vou-te chumbar se brincar mal comigo”.
Começava a intimidar a miúda.  Ela olhou para o professor e disse:
 - Tenho pena do Senhor. Sinto muito. Porque se for expulso desta escola, a sua família estará arpoada…Diga lá que vai desistir dessa ideia maluca de me chumbar!
- Não desisto, e não tem como provar isso, que a conquistei, e nenhum dia vai estar sob o meu emprego – disse o professor.
- Sr. Professor, pode se acalmar, por favor?
- Menina não dependo de você, ouviu? Quem você pensa que é? Uma sem vergonha, suína, que anda a cheirar no sovaco, é para tremer de você!
- Oh! Professor, não importa quem eu sou, como vivo, se cheiro mal ou não. Mas não quero que alguém use o meu corpo… O que o senhor professor diz não passa duma vergonha académica, isso é anti-ético. Tem de ter uma boa conduta profissional, para que todo o mundo lhe tenha respeito. Isso que me levou a estar aqui, para ser sujada por si. Com esses discursos, a que  sociedade vai servir de espelho ou de exemplar?
- Agora, virou minha professora de ética. Você não imagina em quantas escolas estudei, qual é o meu nível de formação…Mesmo com isso não se vai escapar, o ano já vai no fim…
- E o Senhor? Também vai ter uma reforma vitalícia, quem sabe, talvez sejam estes os últimos minutos a pisar nesta escola.
- O quê? Agora, já estás a vingar-te de mim, com a morte? …O que estás a insinuar, sua piranha? Afinal tens medo de chumbar? Arranja-te, menina, senão, no ano que vem, estaremos juntos de novo.
- Não precisa de se subestimar tanto, com essas suas folhas aí, porque, agora, a sua vida está nas minhas mãos, cabe a mim fazer justiça ou continuar na injustiça.
A menina gravava a conversa, com o telefone. Tirou o telefone do bolso, colocou em Play e em viva voz. Depois de escutarem a gravação, guardou no bolso, e disse:
- esta é a prova do que o Senhor professor queria. Então diga lá, como ficamos? Vou chumbar, ou passar de classe?
O professor começou a soar de repente, como se estivesse a molhar as roupas com chuva. Sentou-se na carteira, levantou-se para fora, e disse aos alunos para que fossem embora. Ficou ele sozinho com a menina. Começou a chorar. As lágrimas em pequenas carepas, caíam gota a gota: era o fim da sua carreira. 

Viu a menina a pegar na pasta, em direcção à secção pedagógica. Transferiu a conversa gravada para o coordenador chefe da escola. E pediu-lhe que procurasse reforços, para a protegerem até à sua casa. Quando o professor ficou sozinho, escreveu uma carta de pedido de demissão do serviço.

Sem comentários:

Enviar um comentário