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| Daniel Perato Furucuto |
Era
numa aula simpática de História. Os alunos registavam, nos seus cadernos de
notas, os conteúdos de extrema importância. O professor expunha, de forma
didáctica, batia na testa e tossia tormentosamente. Uma menina, dos seus 16 ou
17 anos, pediu permissão para ir à casa de banho. O professor pegou no caderno
dela, e autorizou-a a sair. Do caderno, tirou uma folha, para escrever algo, que
não tinha relação nenhuma com a aula. Pouco depois, enchia a turma de uma
explicação imprudente, ou de corta mato.
E, enquanto a menina não voltava, ele continuou a espalhar a tinta pela dita folha.
Um
aluno levantou a mão, e pediu-lhe que voltasse a frisar os conteúdos, um pouco
mais profundo. O docente disse para o aluno aguardar um pouco. Já estava fora
da sala e mostrava uma cara aparente de estar inteirado do assunto da aula.
Na
hora do recreio, as quatro vistas, do professor e da aluna, sinistramente
previam o futuro do pensar de cada um. Ambos olharam para o chão, e, com imenso
busílis, ele chamou-a para que viesse ajudá-lo a lançar as notas na caderneta.
Levou a prova da pequena, colocou-a em cima do montão das provas que trazia, e
antes de iniciar com o trabalho, pediu-lhe que escolhesse a nota que quisesse.
A pequena começou a sorrir e sem medo de dizer a verdade acrescentou:
-
“dê a César o que é de César e a Deus o
que é de Deus”! Quem pode decidir é o senhor.
– Vou-te dar 19 valores, depois o resto vamos
acertar – disse o professor.
-
Desculpe, Sr. Professor, não precisa de fazer nada, escreva na sua caderneta a
nota que aparece na prova – acrescentou a menina.
Nenhuma
coisa é mais interessante que o NÃO duma mulher perante um homem. E já dá para
imaginar que tristeza abala o coração do homem, naquele momento. Tentou por
onde podia, para convencê-la, mas tudo era insatisfatório. Mesmo o retinir das
moedas que tinha no bolso não era suficiente para conquistar o coração da
miúda. Os alunos começaram a reentrar na sala, porque já era o tempo de entrada.
Mandou-os aguardar. Nem aquele sorriso, nem as notas em que tanto confiava, nem
o tempo que mandou ficar de fora os alunos, a ver se conseguia aproveitar-se
dela, nada ajudou. A resposta continuava aquele inalterável NÃO. Prometeu que
lhe daria todo o salário daquele mês. Mas nada pode comprar os sentimentos de
alguém.
Como
forma de se livrar, a menina ameaçou que ia levar a informação até à secção
pedagógica e aos seus pais. O professor, ajoelhado, começou a suplicar-lhe que
não voltaria a reiterar a mesma situação, e que não passou da cabeça do diabo.
Mas a menina continuava a colocar lenha no fogo, dizendo que não podia aceitar
a desculpa dele, que o que ela queria era levar a informação até aos superiores
da escola. Enchia a infelicidade na cara do professor, acompanhada de
tremendas, sustos e arrependimento. E depois ele ganhou coragem e disse-lhe:
-
“vai queixar, vai, levanta agora, senão
vou-te chumbar se brincar mal comigo”.
Começava
a intimidar a miúda. Ela olhou para o
professor e disse:
- Tenho pena do Senhor. Sinto muito. Porque se
for expulso desta escola, a sua família estará arpoada…Diga lá que vai desistir
dessa ideia maluca de me chumbar!
-
Não desisto, e não tem como provar isso, que a conquistei, e nenhum dia vai
estar sob o meu emprego – disse o professor.
-
Sr. Professor, pode se acalmar, por favor?
-
Menina não dependo de você, ouviu? Quem você pensa que é? Uma sem vergonha,
suína, que anda a cheirar no sovaco, é para tremer de você!
-
Oh! Professor, não importa quem eu sou, como vivo, se cheiro mal ou não. Mas
não quero que alguém use o meu corpo… O que o senhor professor diz não passa
duma vergonha académica, isso é anti-ético. Tem de ter uma boa conduta
profissional, para que todo o mundo lhe tenha respeito. Isso que me levou a
estar aqui, para ser sujada por si. Com esses discursos, a que sociedade vai servir de espelho ou de
exemplar?
-
Agora, virou minha professora de ética. Você não imagina em quantas escolas
estudei, qual é o meu nível de formação…Mesmo com isso não se vai escapar, o
ano já vai no fim…
-
E o Senhor? Também vai ter uma reforma vitalícia, quem sabe, talvez sejam estes
os últimos minutos a pisar nesta escola.
-
O quê? Agora, já estás a vingar-te de mim, com a morte? …O que estás a insinuar,
sua piranha? Afinal tens medo de chumbar? Arranja-te, menina, senão, no ano que
vem, estaremos juntos de novo.
-
Não precisa de se subestimar tanto, com essas suas folhas aí, porque, agora, a
sua vida está nas minhas mãos, cabe a mim fazer justiça ou continuar na
injustiça.
A
menina gravava a conversa, com o telefone. Tirou o telefone do bolso, colocou
em Play e em viva voz. Depois de escutarem a gravação, guardou no bolso, e
disse:
-
esta é a prova do que o Senhor professor queria. Então diga lá, como ficamos? Vou
chumbar, ou passar de classe?
O
professor começou a soar de repente, como se estivesse a molhar as roupas com
chuva. Sentou-se na carteira, levantou-se para fora, e disse aos alunos para
que fossem embora. Ficou ele sozinho com a menina. Começou a chorar. As lágrimas
em pequenas carepas, caíam gota a gota: era o fim da sua carreira.
Viu
a menina a pegar na pasta, em direcção à secção pedagógica. Transferiu a
conversa gravada para o coordenador chefe da escola. E pediu-lhe que procurasse
reforços, para a protegerem até à sua casa. Quando o professor ficou sozinho,
escreveu uma carta de pedido de demissão do serviço.

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