quarta-feira, 1 de abril de 2015

Editorial de Março de 2015: Urge a descentralização cultural


Nós, todos os artistas, devemos ficar no Maputo? Foi uma pergunta que um músico beirense fez, sem a pretensão de obter qualquer resposta, ao Ministro da Cultura e Turismo, Silva Dunduro, durante uma reunião, que este teve com os artistas beirenses, na casa Provincial de Cultura de Sofala, a 13 de Março de 2015. 
A alocução do músico, Mano Américo, como é conhecido nos meandros musicais, foi emocionante e arrancou muitos aplausos aos seus pares. Diga-se, em abono da verdade, que expressava sentimentos não fabricados na mente, mas sim, no lume do coração. O artista sentia na pele as dificuldades de estar longe da capital Maputo, tida como centro das oportunidades.
As capitais das nações, naturalmente, tornam-se importantes, por hospedarem a máquina central do Estado, e por em torno delas gravitarem as decisões governamentais. Entretanto, no caso da cultura, elas acabam por abafar as manifestações culturais existentes no resto do país, quando os seus dirigentes culturais se distraem. E isto abre espaço para o êxodo provinciano ― ou seja, a migração, das províncias para a capital. Cada artista a viver nas províncias faz o esforço de chegar à capital, para ter oportunidades e ver valorizada a sua arte.
Os pronunciamentos do Mano Américo terão sido feitos para contestar essa distracção dos dirigentes culturais. Que as iniciativas culturais adoptadas pelo governo devem visar, na prática, todas as províncias do País. O que se vê, na prática, não pode, grosso modo, contrariar o que está no papel.
Para a solução do problema, a descentralização adivinha-se como o melhor remédio. Pois, com a descentralização de instituições como o Fundo para Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC), pode se assistir à cultura e à arte, numa perspectiva holística. Expressões como “nós estamos decepcionados com o FUNDAC”, proferida pelo grupo teatral “Só mulheres”, não deveriam multiplicar-se. O FUNDAC não pode continuar a pôr, na sua lista dos projectos patrocinados, mais projectos de artistas a viverem na capital. E deve parar de enfeitar a fotografia dos patrocínios, com apenas dois ou três artistas de fora da capital. 

Entretanto, estamos cientes de que nem todos os problemas serão resolvidos pelo FUNDAC, ou por outras iniciativas do Ministério da Cultura e Turismo. Aliás, o timoneiro deste pelouro desaprovou a tendência que muitos artistas têm, de verem o sector como o pai dos artistas. E nós também desaprovamos, mas não pela mesma razão. Contestamos, porque se assumirmos o pelouro da Cultura como pai dos artistas, admitimos, implicitamente, que o mesmo possa ser gerido como uma família, sem transparência nem prestação de contas. Pois, na família, não haverá filho, que exija a um pai gestão transparente e prestação de contas.      

PRECONCEITO OU PREJUIZO?

Pe. Manuel Ferreira


Conceito (do latim conceptus) significa concebido. Todos nós, portanto, começámos por aí: conceitos. E então, para mim, quem é o mais importante dos conceitos, senão eu? A minha primeira situação vital foi a situação maravilhosa de conceito. O grande milagre! E tanta gente por aí sofregamente à procura deles…
Preconceito é o que vem antes do conceito. E então, qual havia de ser o preconceito de mim, senão o amor?
Passando do denotativo ao conotativo, nós, com excelente bom gosto, falamos da nossa mente como de um maravilhoso útero, que concebe não pessoa mas ideia. E portanto, um conceito passa a ser uma ideia. E a ideia ou conceito exprime-se numa palavra. Por exemplo, com a palavra homem exprimo um conceito, e com a palavra inteligente exprimo outro conceito.
Se eu agora pegar nesses dois conceitos homem e inteligente, e os organizar numa espécie de aliança, numa frase, num período, formulo um juízo, e digo: O homem é inteligente, este homem é inteligente. Passei do exercício de conceber ao exercício de julgar ou ajuizar. A aliança de três conceitos deu um juízo.
E então o que é que vem antes do conceito, para lhe chamarmos preconceito?
Nós, em português, dizemos preconceito, onde os espanhóis dizem prejudício, e onde os franceses dizem préjudice, e onde os italianos dizem pregiudizio. Nós, logicamente devíamos dizer prejuízo. Quem é que está correcto? Dir-me-eis que estão correctos todos, cada qual a seu modo, porque as leis da linguagem não se reduzem às gramaticais.
Mas, de facto, se preconceito significa o que vem antes do conceito, o que é que vem antes do conceito?

O termo prejuízo significa o que vem antes do juízo. E o que é que vem antes do juízo? Antes do juízo vem o conceito. E então o prejuízo seria um juízo nascido antes do tempo, antes de estar suficientemente maduro. Seria um juízo abortado. Houve ali uma ideia, que se intrometeu, e não deixou o conceito amadurecer, até ao juízo correcto. E é exactamente isso o que nós queremos dizer, com o termo preconceito. Acho, assim, que as outras três línguas latinas é que seguem o mais correcto. E não sei exactamente como é que a portuguesa evoluiu, de modo a dar um significado tão diferente à palavra prejuízo, e a chamar preconceito ao que não vem antes do conceito, mas antes o pressupõe. 

FILÓSOFOS E PEDÓFILOS

Pe. Manuel Ferreira


Com um esquema antropológico ternário, ensinaram-me os gregos que eu tenho corpo, alma e espírito. Os animais só têm corpo e alma. O que faz de mim uma pessoa é, exactamente, o meu espírito. E um cristão dirá que é graças ao meu espírito que eu sou à imagem e semelhança de Deus.
O meu corpo cuidam-me dele os médicos. O corpo sente, e aquilo ali é uma sensação. Sentir calor, frio, fome, saciedade. As sensações agradáveis chamam-se prazeres e as desagradáveis, dores.
A minha alma cuidam-me dela os psicólogos e psiquiatras. A alma sente e aquilo ali chama-se sentimento. Sentir pena, dó, medo, apreensão, entusiasmo.
O meu espírito é a fonte das minhas opções, ou decisões, que dão orientação e sentido a toda a minha vida. Os animais são regulados pelos instintos. Eu também tenho instintos, mas sou livre e não ando ao sabor dos instintos, mas oriento a vida, segundo uma opção, uma decisão, uma escolha do meu espírito.
Então, daí, que haja três espécies ou níveis de amor: amor carnal ou eros, amor psíquico ou filia, amor espiritual ou ágape.
Quem amar uma criança, com amor carnal ou erótico e abusar dela, sexualmente,  chama-se pederasta, e pratica a pederastia.
Quem amar uma criança com amor psicológico ou psíquico, tem por ela grande simpatia, dedica-se a ela, e chama-se pedófilo, e pratica a pedofilia. Tal como o amigo da sabedoria se chama filósofo e pratica a filosofia, tal como o amigo da humanidade se chama filantropo e pratica a filantropia.
Ora, então, se a filosofia não é repreensível mas louvável, se a filantropia não é repreensível mas louvável, porque é que a pedofilia tem de andar para aí aos pontapés, tão mal tratada pelos média? Muito simples: estamos no reino da ignorância. É, realmente, por ignorância, que dizem pedofilia em vez de pederastia, e pedófilo em vez pederasta. Seria caso para dizermos aqui: onde se lê e se escuta pedófilo leia-se e escute-se pederasta. E onde se lê e se escuta pedofilia leia-se e escute-se pederastia. Mas a maioria não sabe que isso está linguisticamente errado, e forma-se a procissão. E a minoria, que sabe que está errado, cala-se, e até se adapta, e acaba por entrar no coro da maioria desafinada. E, se houver alguém que se atreva a enfrentar essa enxurrada, mete-se em maus lençóis, porque se mete nestas chatas manias linguísticas! Claro que eu não nutro nenhuma esperança de mudar essa linguagem globalizada. O meu objectivo, aqui, é só informar e entreter!


Beira acolheu o Primeiro Festival de Poesia

Da esquerda para a direita, premiados em primeiro, segundo e terceiro lugar

Nunca antes tinha acontecido algo igual. Os poetas e/ou amantes de poesia beirenses testemunharam o primeiro festival de poesia, organizado pelo Conselho Municipal da Beira, na esteira da celebração do Dia Mundial da Poesia, 21 de Março.
Envolto numa tímida tarde de sábado, o Auditório Municipal da Beira, foi registando, a conta-gotas, a chegada de gente, sobretudo jovens, que vinham assistir ao Primeiro Festival de Poesia. Este facto talvez tenha concorrido para o início do programa, inicialmente marcado para as 16 horas, ter  acabado por dar-se só cerca de duas horas depois.
Após uma belíssima actuação da “Companhia Municipal de Dança”, começaram os sumários discursos dos organizadores, todos a louvarem e a justificarem a necessidade da realização de um festival de poesia na Beira. Lídia Simango, em representação dos poetas, chegou a dizer: “estamos felizes, por se terem [Conselho Municipal] lembrado de nós, nesta importante data, que é o Dia Mundial da Poesia”.
A actividade que dominou o festival foi o concurso de declamação de poesia, do qual participaram cerca de vinte e dois declamadores, todos eles ávidos de ocuparem as posições cimeiras, que dariam prémios de sete mil, cinco mil e três mil meticais, para o primeiro, segundo e terceiro lugar, respectivamente.
Nessas três posições, ao fim de três rondas, sob avaliação do corpo de jurados, ficaram os declamadores Domingos Penga, Tomás Maurício e Fernando Modesto, na forma decrescente dos vencedores. 
No final, os principais intervenientes, nomeadamente a organização, o júri e os participantes, atribuíram nota positiva ao evento.
Luís Chimbia, Vereador de Educação e Cultura no Conselho Municipal da Beira, acredita que foram alcançados os objectivos, que se pretendiam com o evento, e garantiu à Soletras que eventos como este vão acontecer sempre.
“Acho que foi cumprido o objectivo, visto que nunca houve um evento como este, a data passava em branco. Agora começamos, e daqui em diante isso será constante. Portanto, foi uma mais-valia e estimulamos os nossos poetas e a todos os amantes da poesia que aqui estiveram presentes”     , disse Chimbia
Por seu turno, Swith Chissada, jornalista e um dos membros de júri, instado a tecer comentários sobre a qualidade dos declamadores que participaram do concurso, disse que houve dificuldade para encontrar os vencedores, porque, ao longo das rondas, as notas atribuídas pelos membros do júri aos concorrentes eram díspares.
“Havia opiniões completamente diferentes, em relação à prestação de cada candidato, e nalgumas vezes, essa diferença de apreciação tornava as contas finais extremamente difíceis”, disse Swith, para depois concluir “notei que aqui há muito produto bonito, mas também houve muita declamação humorística. Era bom que, das próximas vezes, especificássemos o tipo de poesia a declamar-se”.
Fernando Modesto, um dos participantes e terceiro classificado do concurso, diz que se sentiu bem ao participar, e melhor ao ter sido distinguido com o terceiro lugar. Entretanto, lamenta a fraca afluência do público para assistir ao festival, e também contesta algumas decisões do júri: “ primeiro, não havia pessoas para assistir, senão os próprios participantes e a produção do programa; depois, a tal classificação, os critérios que usaram não foram justos, há pessoas que caíram, na primeira ronda, enquanto eram bons.”

Refira-se que o Dia Mundial da Poesia se celebra a 21 de Março, desde que foi instituída a data, na 30.ª Conferência Geral da UNESCO, a 16 de Novembro de 1999. Nesta data celebra-se a diversidade do diálogo, a livre criação de ideias através das palavras, da criatividade e da inovação. A data visa fazer uma reflexão sobre o poder da linguagem e do desenvolvimento das habilidades criativas de cada pessoa. 

Celebrado “O casamento misterioso de Mwidja”.



Se misterioso é o casamento de Mwidja, o mesmo não se pode dizer do casamento de Alexandre Dunduro com as artes, particularmente com a literatura. Aliás certo é o adágio que diz que quem sai aos seus não degenera.
O jovem escritor Alexandre Dunduro acaba de apresentar o seu primeiro livro, intitulado “O casamento misterioso de Mwidja”. O acto de lançamento decorreu no átrio da Escola Portuguesa de Moçambique, no dia 19 de Março de 2015.
Filho de um consagrado artista plástico (Silva Dunduro), Alexandre decidiu usar palavras para “pintar” algumas histórias, que foi escutando, desde que os seus ouvidos se tornaram sensíveis a pequenas estórias, contadas sobretudo à volta da fogueira.
Ilustrado por Orlando Mondlane, “O casamento misterioso de Mwidja”, segundo a ensaísta Sara Laisse, a apresentadora da obra, deixa-nos com algum aprendizado através das personagens Ntsay e Mwidja
“Ntsay e Mwidja são protagonistas de acções que permitem voltar a velha e útil questão de que os contos tradicionais são portadores: o ensinamento valores e de costumes, no caso, a importância de se escutar os conselhos dos mais velhos.” – Lê-se no texto da apresentadora.
Esta obra é que fecha a colecção dos livros para crianças editados pela “Fundação Conto para o Mundo”, em parceria com a Escola Portuguesa de Moçambique, com o objectivo de recolher os contos tradicionais provenientes das culturas moçambicanas e publicá-los na língua oficial portuguesa e nas línguas moçambicanas.

Refira-se que, para além de Alexandre Dunduro, A Fundação conto para o Mundo, em parceria com a Escola Portuguesa de Moçambique, já publicou Wazi de Rogério Manjate, com ilustrações de Celestino Mudaulane; A Viagem de Tatiana Pinto, com ilustrações de Tomás Muchanga e Luís Cardoso, dentre outros.

Soletras é impressa na Beira


Esta é, certamente, uma boa nova para os leitores. A revista Soletras também já pode ser lida em edição impressa, ao nível da cidade da Beira, onde está sedeado este órgão de informação, coordenado e editado por inúmeros activistas literários.
A impressão, de pequena tiragem, é resultado de uma parceria entre este órgão e o Centro Cultural Português- pólo da Beira, com vista a levar a revista para mais leitores beirenses, que não tenham acesso à internet. Aliás, o director deste órgão, aquando da celebração do primeiro aniversário, tinha se queixado do facto de a sua revista ser pouco conhecida e divulgada, na cidade da Beira.
 “Há pouca participação dos escritores beirenses ainda em anonimato. Há, porém, muito envolvimento dos escritores de fora da Beira. Isso contraria o pilar visionista da sua criação, que é o de catapultar a literatura beirense, que se encontra nas gavetas e empoeirada” ― disse, na ocasião, Dany Wambire.
Agora Dany respira um ar de alívio e espera, com a impressão da revista, encontrar mais leitores e/ou colaboradores, para a prossecução dos trabalhos. “Assim, a revista será lida por mais pessoas e, a breve trecho, poderá publicar mais trabalhos de pessoas, que efectivamente precisam de espaço para divulgarem os seus trabalhos.
A edição impressa da Soletras pode ser lida nas bibliotecas do Centro Cultural Português-Beira, do Centro de Língua Portuguesa (localizado na UP-Beira), da Casa Provincial Cultura de Sofala, do Centro Cultural Padre Cirilo, do Auditório Municipal da Beira, e na biblioteca Municipal da Beira.

De salientar que Soletras precisa de mais apoios, para se levar a revista às escolas secundárias da Cidade da Beira.

“Não se pode oferecer obras de arte a quem as pode comprar” - afirma Ministro Dunduro

Ministro Dunduro recebendo estatueta

Se alguém quiser ouvir problemas, que se reúna com artistas. Provavelmente deve ter sido este o pensamento do Ministro da Cultura e Turismo, Silva Dunduro, quando abriu espaço, para que os artistas da Beira interagissem com ele, numa reunião, na casa Provincial de Cultura de Sofala, no dia 13 de Março de 2015.
Prevista para as 14 horas em ponto ― iniciou cerca 30 de minutos depois ― a reunião ficou marcada pela ânsia de muitos artistas, por quererem dirigir ao menos uma palavra ao seu antigo companheiro de “trincheira”, o artista plástico Silva Dunduro, agora Ministro da Cultura e Turismo.
Ansiedade e mais alguma coisa (emoção, certamente) residiam também do lado do Ministro Dunduro. Aliás ele mesmo o disse: “ estou muito feliz por voltarmos a nos ver, até me faltam palavras”. Entretanto, o governante rapidamente pôs razão na emoção, para alcançar mais um dos objectivos que o levavam a escalar o Chiveve:  auscultar os artistas desta urbe, para melhor trabalhar , em prol do bem-estar deles.
O timoneiro do pelouro da Cultura e Turismo começou por dizer que é dos objectivos da sua governação lutar para que os artistas não fiquem sempre de mão estendida a mendigar. Para tal, Dunduro garantiu-nos que iria desafiar os operadores turísticos, sobretudo as unidades hoteleiras, a criarem espaços, para a exposição de trabalhos artísticos, para variados visitantes. “O artista pode ficar rico, à custa do seu trabalho”, acrescentou o ministro.
Entretanto, para já, Silva Dunduro tem uma grande tarefa, que é a organização ministerial, ao nível da base ou provincial, já que se fundiram dois ministérios do governo passado, nomeadamente, o da cultura e o do turismo. E “está em curso a aprovação de diplomas, que vão sustentar a criação do nosso ministério”, segundo o governante. 
“Não se pode oferecer obras de arte a quem as pode comprar”
Aberto o espaço para os artistas exporem as suas preocupações ao ministro Dunduro, falou o coordenador de uma associação de escultura, a funcionar nas instalações da Casa Provincial de Cultura de Sofala. Segundo este coordenador, a associação recebeu apoios do Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC), para formar mais escultores. Com efeito, já surgiu pelo menos um jovem, de quem o ministro Dunduro recebeu de “presente” uma estatueta, com um camponês de enxada ao ombro.
Depois de o jovem revelar ao ministro o significado e o valor monetário da obra, eis que o governante decide pagar o “presente”, antes advertindo o presenteador: “não se pode oferecer obras de arte a quem as pode comprar”. A sala gelou, mas eu, o repórter escalado para cobrir o evento, nem pouco, pois já conhecia a alma artística, que reside naquele senhor, que sempre soube valorizar a arte.
Os artistas estão a abandonar a arte, para serem sapateiros ou pedreiros
Certamente, não foi aos sapateiros profissionais que o actor Apingar, o doutor, quis referir-se, quando chegou a sua vez de falar ao ministro. É que o Doutor Apingar enfurecido desabafou que há falta de apoio financeiro para as iniciativas culturais, e que há muita demora, na tramitação de documentos, para a criação de associações: “para criar-se uma associação cultural, leva-se muito tempo. Nós, para criar a nossa associação, tivemos que gastar muito dinheiro, para ir a Maputo, mas agora, que temos a associação, não conseguimos fazer o uso da mesma.” - disse o Doutor Apingar, para depois perguntar : “como posso eu ter dinheiro, para sustentar essa associação?”
Este encenador e actor de teatro foi mais longe, ao asseverar que, na Beira, está difícil viver da arte. Segundo Apingar, existem muitos artistas que estão a abandonar a arte, porque se chega a uma fase, em que esta nos engasga (…). “Há artistas que se estão a tornar sapateiros ou pedreiros, pois não dá viver da arte.”     
As editoras devem voltar a receber músicas
Pirataria, se preferirem contrafacção, é um assunto quase sempre presente em uma reunião, em que estejam músicos. Esta reunião não fugiu à regra. Jorge Mamade, um conceituado músico, foi quem fez vir à baila o assunto. Mas, por incrível que pareça, o músico não atribui culpas aos “piratas”, ou “revendedores”, como ele prefere chamá-los. Segundo ele, há pessoas que querem comprar o disco original de um músico, mas não encontram locais para tal, pois já não existem editoras musicais, bem como as suas sucursais pelas províncias.
Portanto, para se reverter o cenário, o músico apela às editoras, para que “voltem a receber músicas e a distribuí-las pelas suas sucursais, que devem também voltar a funcionar, em todas as províncias”.   
Criação de Banco da Cultura
Como as inúmeras perguntas e comentários apresentados pelos artistas precisavam de resposta ou de comentário do ministro Dunduro, o mesmo cumpriu o seu dever. E começou por desaprovar a tendência, que muitos artistas têm, de ver o ministério da cultura como pai dos artistas: “ é preciso que não vejamos o governo na perspectiva paternalista. Ou seja, o Ministério da Cultura e Turismo como pai dos artistas ou promotores turísticos”
Mais adiante, o ministro disse que é preciso ver que a maior parte dos problemas apresentados pelos artistas podem ser resolvidos por eles mesmos, de forma individual ou colectiva. “É preciso que nós tenhamos um sentido muito grande de responsabilidade individual e colectiva, e pensar que a única forma de ultrapassar desafios, parte de nós próprios”, disse o governante, para, de seguida, apelar: “temos que nos esforçar em deixar a imagem de mendicidade, para uma acção proactiva ao desenvolvimento”.    

 Por fim, sobre iniciativas em curso, para além da abertura a projectos culturais, através das casas provinciais de cultura e do FUNDAC, o ministro garantiu que, dentro deste quinquénio, vai ser criado o banco da cultura, para financiar projectos culturais rentáveis, que permitam o reembolso do dinheiro emprestado. (Dany Wambire)

CARNAVAL

Pe. Manuel Ferreira



Na praça de tu pensares
que jogas ao bem e ao mal,
barulhos e vãos pesares
divertem-se ao Carnaval.

Alegóricas rainhas,
entre o medo e a brincadeira,
vão esconder-se mesquinhas
sob as folhas da figueira.

Dançarinas de ser gente,
onde só por fora vale,
chafurdam candidamente, 
na asneira torrencial.   

Máscaras cor de vazio,
em caras de se ter dó,
agitam o calafrio

de o rei da festa estar só.

O professor apaixonado

Daniel Perato Furucuto
Era numa aula simpática de História. Os alunos registavam, nos seus cadernos de notas, os conteúdos de extrema importância. O professor expunha, de forma didáctica, batia na testa e tossia tormentosamente. Uma menina, dos seus 16 ou 17 anos, pediu permissão para ir à casa de banho. O professor pegou no caderno dela, e autorizou-a a sair. Do caderno, tirou uma folha, para escrever algo, que não tinha relação nenhuma com a aula. Pouco depois, enchia a turma de uma explicação imprudente, ou de corta mato. E, enquanto a menina não voltava, ele continuou a espalhar a tinta pela dita folha.
Um aluno levantou a mão, e pediu-lhe que voltasse a frisar os conteúdos, um pouco mais profundo. O docente disse para o aluno aguardar um pouco. Já estava fora da sala e mostrava uma cara aparente de estar inteirado do assunto da aula.
Na hora do recreio, as quatro vistas, do professor e da aluna, sinistramente previam o futuro do pensar de cada um. Ambos olharam para o chão, e, com imenso busílis, ele chamou-a para que viesse ajudá-lo a lançar as notas na caderneta. Levou a prova da pequena, colocou-a em cima do montão das provas que trazia, e antes de iniciar com o trabalho, pediu-lhe que escolhesse a nota que quisesse. A pequena começou a sorrir e sem medo de dizer a verdade acrescentou:
- “dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”! Quem pode decidir é o senhor.
 – Vou-te dar 19 valores, depois o resto vamos acertar – disse o professor.
- Desculpe, Sr. Professor, não precisa de fazer nada, escreva na sua caderneta a nota que aparece na prova – acrescentou a menina.
Nenhuma coisa é mais interessante que o NÃO duma mulher perante um homem. E já dá para imaginar que tristeza abala o coração do homem, naquele momento. Tentou por onde podia, para convencê-la, mas tudo era insatisfatório. Mesmo o retinir das moedas que tinha no bolso não era suficiente para conquistar o coração da miúda. Os alunos começaram a reentrar na sala, porque já era o tempo de entrada. Mandou-os aguardar. Nem aquele sorriso, nem as notas em que tanto confiava, nem o tempo que mandou ficar de fora os alunos, a ver se conseguia aproveitar-se dela, nada ajudou. A resposta continuava aquele inalterável NÃO. Prometeu que lhe daria todo o salário daquele mês. Mas nada pode comprar os sentimentos de alguém.
Como forma de se livrar, a menina ameaçou que ia levar a informação até à secção pedagógica e aos seus pais. O professor, ajoelhado, começou a suplicar-lhe que não voltaria a reiterar a mesma situação, e que não passou da cabeça do diabo. Mas a menina continuava a colocar lenha no fogo, dizendo que não podia aceitar a desculpa dele, que o que ela queria era levar a informação até aos superiores da escola. Enchia a infelicidade na cara do professor, acompanhada de tremendas, sustos e arrependimento. E depois ele ganhou coragem e disse-lhe:
- “vai queixar, vai, levanta agora, senão vou-te chumbar se brincar mal comigo”.
Começava a intimidar a miúda.  Ela olhou para o professor e disse:
 - Tenho pena do Senhor. Sinto muito. Porque se for expulso desta escola, a sua família estará arpoada…Diga lá que vai desistir dessa ideia maluca de me chumbar!
- Não desisto, e não tem como provar isso, que a conquistei, e nenhum dia vai estar sob o meu emprego – disse o professor.
- Sr. Professor, pode se acalmar, por favor?
- Menina não dependo de você, ouviu? Quem você pensa que é? Uma sem vergonha, suína, que anda a cheirar no sovaco, é para tremer de você!
- Oh! Professor, não importa quem eu sou, como vivo, se cheiro mal ou não. Mas não quero que alguém use o meu corpo… O que o senhor professor diz não passa duma vergonha académica, isso é anti-ético. Tem de ter uma boa conduta profissional, para que todo o mundo lhe tenha respeito. Isso que me levou a estar aqui, para ser sujada por si. Com esses discursos, a que  sociedade vai servir de espelho ou de exemplar?
- Agora, virou minha professora de ética. Você não imagina em quantas escolas estudei, qual é o meu nível de formação…Mesmo com isso não se vai escapar, o ano já vai no fim…
- E o Senhor? Também vai ter uma reforma vitalícia, quem sabe, talvez sejam estes os últimos minutos a pisar nesta escola.
- O quê? Agora, já estás a vingar-te de mim, com a morte? …O que estás a insinuar, sua piranha? Afinal tens medo de chumbar? Arranja-te, menina, senão, no ano que vem, estaremos juntos de novo.
- Não precisa de se subestimar tanto, com essas suas folhas aí, porque, agora, a sua vida está nas minhas mãos, cabe a mim fazer justiça ou continuar na injustiça.
A menina gravava a conversa, com o telefone. Tirou o telefone do bolso, colocou em Play e em viva voz. Depois de escutarem a gravação, guardou no bolso, e disse:
- esta é a prova do que o Senhor professor queria. Então diga lá, como ficamos? Vou chumbar, ou passar de classe?
O professor começou a soar de repente, como se estivesse a molhar as roupas com chuva. Sentou-se na carteira, levantou-se para fora, e disse aos alunos para que fossem embora. Ficou ele sozinho com a menina. Começou a chorar. As lágrimas em pequenas carepas, caíam gota a gota: era o fim da sua carreira. 

Viu a menina a pegar na pasta, em direcção à secção pedagógica. Transferiu a conversa gravada para o coordenador chefe da escola. E pediu-lhe que procurasse reforços, para a protegerem até à sua casa. Quando o professor ficou sozinho, escreveu uma carta de pedido de demissão do serviço.

Menino fantasia

Celestina Marques

O Joãozinho era um menino muito sonhador. E O seu maior sonho era o de alcançar o arco-íris.
Ninguém dava importância ao sonho do Joãozinho, porque todos sabiam que seria impossível.
Mas o Joãozinho não tinha outra hipótese. Vivia na serra, com o seu avô, e por lá havia quase sempre arco-íris. Então o Joãozinho só queria mostrar a todos os que lhe chamavam menino fantasia que ele seria capaz.
Mas o Joãozinho não sabia por onde começar.
Então pensou, pensou, pensou, e chegou a esta conclusão: vou pedir ajuda aos meus amigos, para construir uma escada gigante.
E foi então a casa do Miguel, e pediu ao amigo que o ajudasse a construir uma escada gigante,  para ele conseguir chegar ao arco-íris. O Miguel riu-se tanto, que o Joãozinho ficou sem graça.
Mas graças à amizade que eles dois tinham, o Miguel acabou por aceitar, e ofereceu-se para trazer martelos e pregos. O Joãozinho, todo satisfeito, agradeceu, e lá se foi a casa do Dedé. Falou com ele, explicou-lhe o plano, pediu-lhe ajuda, e o Dedé não hesitou, logo se prontificou a ajudá-lo, arranjando bambus.
No dia seguinte, no local combinado, apareceu o Miguel com os martelos e pregos, e o Dedé com alguns bambus. O Joãozinho, que não podia faltar, apareceu também com alguns bambus.
Todos os três estavam animadíssimos, e começaram a cortar bambus e a pregá-los.
Por muitas horas, os meninos foram fazendo tudo. Até que se aperceberam de que haviam construído uma escada verdadeiramente gigantesca. Mas aí estava o problema: a escada era gigante, e eles não sabiam por onde começar a subir.
O menino fantasia ficou muito triste, por ver uma escada gigante, no chão, e um lindo arco-íris, no céu. E o menino só chorava, porque nada podia fazer. Apercebeu-se de que lhe seria impossível ao arco-íris chegar, e de que nunca lhe poderia pegar.
Então, apareceu o seu avô, e disse para eles:

- Meus filhos, não se preocupem em querer chegar ou pegar no arco-íris. Porque as melhores fantasias são aquelas que temos na mente, e não nas mãos.
Então o menino fantasia e os seus amigos compreenderam que o melhor presente era o de ver, sempre que pudessem, um lindo arco-íris, lá no céu.

Centro de Emergência 3


Dany Wambire
Sinceras saudações
Ninguém imaginou que o Centro de Emergência seria este local, onde os problemas e as soluções se cruzam. Muitos estão a ligar para nós e estão a ficar satisfeitos com as nossas soluções. E não cobramos nada, agrada-nos a sua desatenção. Ligue-nos pelo número 88 20 05 569.
Foram muitas as chamadas que recebemos, ao longo destes dias, mas gravamos apenas uma, a que se segue:
― Falo para o Centro de Emergência?
― Sim. Diga o seu nome mais a preocupação.
― Sou Valdemário. Assassinaram o meu irmão…
― Quem o assassinou? Foi a sangue frio ou quente?
― Não sei bem. Mas ele não morreu no local. Morreu no hospital central.
― Ainda bem!
― Ainda bem? Ainda bem, porquê?
― Porque é perto da morgue.
― Estou muito contristado.
******
― Mas, Sr. Valdemário, estavam pessoas no local, para salvar o seu irmão?
― Estavam. Só ficaram a tirar fotos para as redes sociais.
― E os bombeiros? 
― Esses é que, desta vez, vieram cedo. Mas sem saberem o que aconteceu, também alvejaram o meu irmão.
― Com armas de fogo?
― Não. Com mangueiras de água.
― oh, devem ter confundido o vermelho do sangue com o do fogo.
― Dói-me falar destes tipos.
― Mas depois o salvaram…
― Qual salvar? Depois de um Burro morto…
― Afinal, o seu irmão, morto, era um burro? Então, não atendemos assuntos de burros.




Crianças já têm uma biblioteca especializada

Entre nós, muitos obrigam as crianças a ler, mas poucos lhes dão livros para lerem. Mas não é este o caso do Centro Cultural Brasil-Moçambique (CCBM) que, no dia 14 de Março de 2015, inaugurou a sua primeira biblioteca infantil, na capital Maputo.
Segundo dados da organização, perto de 180 pessoas, de todas as idades, estiveram presentes nesta cerimónia, que foi abrilhantada por um espectáculo de dança e teatro, genialmente proporcionado pela Casa do Gaiato ― uma instituição que acolhe crianças carenciadas.
As crianças da casa do Gaiato não só proporcionaram um belo espectáculo aos presentes, como participaram do lançamento de um livro de histórias infantis, intitulado “Crianças Curiosas”, escrito por Rafo Díaz em parceria com estes petizes.
A biblioteca infantil inaugurada tem um acervo de mais de 200 obras, do qual fazem parte os principais títulos moçambicanos e uma sólida colecção de livros infantis brasileiros, dentre os quais obras que retratam histórias afro-brasileiras.
Na senda das actividades de inauguração da biblioteca infantil do CCBM, a Escola portuguesa de Moçambique disponibilizou às crianças um planetário, através do qual os alunos puderam observar virtualmente diversos objectos celestes.

De salientar que esta biblioteca infantil ficará aberta, de segunda a sábado, das 8 às 18 horas, e disponível para qualquer criança.

Lino Mukurruza “fura” o mercado europeu

Lino Mukurruza, tão mole quanto ele é, não precisou de bater tantas vezes na pedra dura, para que a furasse. Bastou a internet, para lhe transportarem as Almas em Tácitas para Portugal, onde encontrariam a ousadia de um editor, para publicar este livro de poesia.
É caso para dizer que Lino é verdadeiro combatente da literatura moçambicana. E ele parece querer dar provas aos que não lhe dão espaço. Aliás, foi Lino que alertou, em entrevista à Soletras, para o cepticismo, a que a sua geração literária estava votada. “Nós, os da nova vaga literária, somos motivo de muita incerteza”, desabafou Lino, nessa altura.
Elogios à parte, Almas em Tácitas, o segundo livro de poesia de Lino, foi publicado pela editora portuguesa, Lua de Marfim, numa tiragem inicial de 1000 exemplares, sem nenhum custo para o escritor.
Nesta obra, segundo o poeta português Breve Leonardo, o prefaciador do livro,“pressente-se a solidez desses “tempos dentro do tempo”, de que se compõe a soma dos muitos infinitos da palavra, uma tensão que tanto desconcerta quanto harmoniza o “eu”, diante da matéria do poema, sem que haja a urgência duma ruptura de formas ou ritmo no seu todo”.
Já para o posfaciador da obra, o poeta brasileiro Silas Correa Leite, a poesia de Lino “tira o véu, mostra o arremate, o arrepio do ‘versentir’, perfila palavras como se cascudos alvos cavados pela mão-do-olhar, e entre trilhas, sopra a sua electricidade criativa latente.”
Refira-se que para além de Almas em Tácitas, Lino publicou Vontades de partir & outros desejos  e colabora com várias revistas, nacionais e internacionais, com destaque para a “SOLETRAS”.

Ainda, o autor participou de algumas antologias poéticas, nomeadamente “CLEPSYDRA”, “À FLOR DA ALMA”, “Vozes do Hiterland”, “PREMONIÇÕES”; “LOGOS”, para além de ter ficado em segundo lugar, no 2º Concurso de Literatura  da Academia de Letras, Artes Ciências de Brasil (ALACIB, 2015). (Redacção)