sábado, 3 de janeiro de 2015

“É preciso tornar a literatura um assunto das massas.”



Não mentem quando dizem que a Soletras, esta revista, pratica o garimpo literário. É que há muito ouro escondido nesta Pérola do Índico, sobretudo nos prémios literários. Um desses ouros é Jofredino Faife, descoberto pelo júri do Concurso Literário TDM 2012. O jovem docente universitário venceu o prémio, no género romance, com o livro A Filha de um Deus Menor, uma obra demasiado adulta para ser de um jovem estreante como este Jofredino. É caso para dizer que estamos diante de um promissor romancista moçambicano. Que se lhe entregue apenas mais papel, tinta e tempo.

Da cidade de Maxixe para a Soletras, fiquemos com as suas parcas palavras e valiosas ideias. 


Soletras: Jofredino entra para o panorama literário moçambicano, pelo Prémio TDM 2012. Porquê esta opção?
Jofredino: Não foi uma opção, apenas foi oportunidade, pois eu já escrevia há algum tempo, e esperava por uma dessas oportunidades. Entretanto, o primeiro prémio que ganhei foi o do FUNDAC, em 2009, com o livro Memórias de um Carteiro, apesar de ele não ter sido publicado. Com o Prémio TDM aconteceu a minha primeira publicação em livro, com o romance A filha de um Deus Menor, e isso não foi algo muito pensado, aconteceu por acaso.
Soletras: E quem era Jofredino, antes deste prémio. Fale-nos da sua estrada literária.
Jofredino: Eu comecei a escrever relativamente cedo, andava no ensino secundário. Quando passei para o ensino pré-universitário, colaborava com um jornal, escrevendo alguma coisa. O primeiro texto denso e longo foi o que escrevi para o Prémio Fundac 2009.
Em termos de influência, não tenho nenhum autor, pois eu comecei a ler na escola e lia tudo o que a biblioteca dava. Então, li um pouco de tudo, não fiquei muito preso a certos nomes literários.  

Soletras: Em A Filha de um Deus Menor, você conta duas estórias, uma que começa em 1980, e outra em 1963. Pelo que se sabe, o senhor nasceu em 1987. Quem é o real narrador deste livro? Reside em si?
Jofredino: Isso é interessante, mas devo dizer que, na altura em que concorri ao prémio do Fundac, com As Memórias de um Carteiro, eu era bem mais novo do que agora, e, mais tarde, quando conheci um dos integrantes do corpo de jurados, ele exclamou: “quando li o seu livro, fiquei com a impressão de que era de uma pessoa já velha”. Portanto, isso não sei explicar, mas cria-me prazer, fascina-me essa forma de contar.
Soletras: Mas Jofredino, quem deste livro é verdadeiramente o narrador? Quem é que usa a sua “boca” para contar a estória, ou melhor as estórias?
Jofredino: Como o livro foi criado, na parte inicial, no prólogo, mostra-se que o narrador, por detrás, é Madalena, a filha da Maria. Ela, apesar de ser uma das personagens principais, é quem conta as estórias. Ela, a dado momento da sua vida, pára e olha para trás. No começo, ela narra sobre o berço do seu nascimento; e no final, no epílogo, apercebemo-nos de tudo o que foi feito por ela, até à altura, em que ela se consagra como freira.    
Soletras: Neste Romance, você constrói duas estórias, a de Maria e a da filha Madelena. A de Maria começa em 1963, nos arrozais da Manhiça, e a de Madalena, em 1980, após a morte da mãe. O tempo das duas estórias é distante, mas você as conta em simultâneo, o que confunde os leitores. Era sua intenção maltratar os leitores? 
Jofredino: Não queria maltratar os leitores, trata-se de um ponto de análise, e está completamente correcto. O leitor podia pegar os capítulos, de forma intercalada. Ou seja, ler o 1º, 3º, 5º e assim por diante, e depois os capítulos pares. Mas foi uma opção, que tomei, sem muita reflexão, de novo por acaso. Quando escrevia não tive presente o leitor.
Soletras: Nesta de narração, um facto chama a atenção do leitor: num dado capítulo, alguém informou à Madalena, em Portugal, que o Padre Belizário tinha morrido. Entretanto, no capítulo seguinte, o padre era chamado, para cuidar da avó da Madalena. Isso é coincidência na narração?
Jofredino: Confesso que só agora é que noto isso, antes não. Não fui atento, apenas fui virando as páginas. Mas, se isso aconteceu, é uma feliz coincidência, saída duma construção do acaso.
Soletras: Esta forma de contar estórias, de modo duplo, é semelhante à de Mia Couto, em O Outro de Pé da Sereia. A quem realmente rouba?
Jofredino: Por acaso tenho O Outro Pé da Sereia de Mia Couto, mas ainda não o li. Certamente a ele não roubei esta forma de contar. Mas já tinha lido uma estória escrita deste modo, num livro intitulado Do Outro lado do Rio, e achei-a interessante. A estória deste livro era um pouco compreensível, se calhar diferente da do meu. A título de exemplo, eu coloquei nomes muito parecidos, em épocas muito próximas. E isso vi em algum lugar, com certeza.
Soletras: No seu romance, a injustiça é um assunto recorrente. Madalena acha-se filha de um Deus menor, por causa da injustiça, por que passou? O senhor assumiu essa temática, quando escrevia o livro?  
Jofredino: Como autor diria que não, e de novo me surpreendo, com esta leitura. Eu não pensei neste assunto. Os leitores é que estão a surpreender-me com estas leituras. É só isso mesmo.  Estou pensando na injustiça, num outro projecto.
Soletras: O senhor entrou pelo Prémio TDM 2012. De lá para cá, já passa algum tempo. Espera por um outro prémio “TDM”, para lançar mais um outro livro?
Jofredino: Não é que estou à espera de um prémio. Os prémios são bons, mas não me fazem mudar de foco. De 2012, em Dezembro, para cá, apenas passa pouco tempo, um ano e meio. A verdade é que, nesse tempo, não tive calma, para escrever um outro livro ou mergulhar num outro projecto. Mas, nos próximos dias, algo poderá sair.
Soletras: Como avalia a literatura moçambicana?
Jofredino: A literatura moçambicana está num bom caminho. Em termos estatísticos, apesar de não serem muitos com visibilidade no exterior, mas temos conseguido lá alguns prémios. João Paulo Borges Coelho ganhou o Prémio Leya, Mia Couto o prémio Camões. Mas é preciso socializar o livro, é preciso fazer algo para que muitos tenham acesso ao livro. Também é um desafio trabalhar para que os jovens tenham mais oportunidade para publicar um livro. É preciso tornar a literatura um assunto das massas.




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