De há cinco anos a esta parte, a Associação
dos Escritores Moçambicanos (AEMO), em parceria com Banco Comercial e de
Investimentos (BCI), tem atribuído um prémio de cerca de 200 mil meticais ao
autor, cuja obra tenha sido distinguida como a melhor do ano.
Acontece, porém, que de edição em
edição, as críticas ao prémio têm aumentado de tom, relativamente aos critérios
adoptados pelo corpo de jurados para atribuir o galardão a um determinado
autor. Ou seja, os organizadores e os avaliadores do prémio têm sido acusados
de não pautarem pela transparência e honestidade em todo este processo que
culmina com a indicação da melhor obra literária de todas as editadas num
determinado ano.
Diante destas críticas, a Soletras decidiu seguir o assunto,
encontrando em contacto com os organizadores do “Prémio BCI de Literatura” para
a obtenção do regulamento que rege o concurso, mas todas as tentativas
redundaram num fracasso. Ora vejamos:
No dia 7 de Dezembro, às 17:25 horas,
depois de nos ser enviada a carta-convite por Jorge de Oliveira, pedimos-lhe
que nos enviasse o regulamento do prémio. Mas não obtivemos resposta alguma.
Já no dia 9, por volta das 15:00 horas,
telefonamos ao senhor Clemente Bata, do Departamento de Marketing do BCI, para
também lhe pedirmos o regulamento, tendo nos dito: “Quem norma este prémio é a
AEMO. Vocês devem pedir o regulamento à AEMO. Eles [os organizadores] é que vos
devem dar o regulamento. Se não vos derem, eles deverão dizer porquê”.
Seguindo a orientação de Clemente Bata,
telefonamos ao senhor Jorge de Oliveira, curiosamente, o presidente do júri do
prémio para, outra vez, lhe pedirmos o regulamento. Esta foi a sua resposta:
“O concurso é para obras de autores
moçambicanos, publicadas de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro. Agora, para apanhar
o regulamento é preciso ir ao BCI e isso vai dar muito trabalho e não sei se
teríamos isso a tempo. Mas [o regulamento] não tem nada de especial, é mesmo
para qualquer género e para autores moçambicanos”, esclareceu.
Para além destas, a Soletras efectuou outras tentativas,
tanto junto da AEMO, quanto do BCI, mas todas elas não tiveram sucesso. Até ao
fecho desta edição, nenhuma resposta obtivemos das partes, em relação à
disponibilização do regulamento do concurso que distingue o melhor livro do
ano.
Mas o que se pretende explorar no
regulamento?
O regulamento de um concurso literário
é o documento que esclarece aspectos relacionados à natureza, às categorias, à
constituição do júri, ao tempo de avaliação, entre outros. Vejamos por partes.
Natureza
do prémio
De acordo com a carta que chegou à
nossa redacção, o apuramento do melhor livro do ano de 2015, será feito com
base nas obras literárias a serem enviadas aos organizadores até ao dia 31 de
Dezembro de 2015.
Ora, o melhor livro do ano pode não
estar entre as obras que chegarão às mãos do corpo de jurados até essa data.
Por algum motivo, uma determinada obra literária, vista como melhor do ano aos
olhos do público, pode não chegar aos organizadores.
Por acaso, está prevista, no
regulamento, a distinção de uma obra que não tenha sido enviada pelo seu autor
ou representante aos organizadores do concurso?
Categorias a concurso
A carta da AEMO, enviada à nossa redacção,
diz que são elegíveis a concurso/prémio todas as obras de autores moçambicanos
publicadas do primeiro ao último dia do ano.
Assim, o prémio foi atribuído a um
livro de romance, em 2010, de poemas, em 2011 e em 2012, de romance, em 2013 e
de crítica literária, em 2014, como melhores obras de cada ano.
Porém, na ausência do regulamento, não
ficam claros os critérios usados para a eleição anual do melhor livro, no seio
de tantos de diferentes géneros. Se se elegessem as melhores obras por géneros,
mais fácil e plausível seria fazer comparações dentro da categoria a que a obra
concorre, sendo a partir daí eleita a melhor.
Uma eleição por categoria permitiria,
cada ano, distinguir o melhor livro de romance, de poesia, de crónica, entre
outros, mas uma comparação genérica, isto é, para escolher a obra mais
qualitativa publicada ao longo de um determinado ano é como somar banana e
laranja (1 banana + 3 laranjas = 4?).
Tempo de avaliação
O tempo de avaliação das obras
candidatas ao prémio do melhor livro do ano pode não ser suficiente para uma
justa apreciação e decisão do júri.
As obras a concurso/prémio devem dar
entrada na AEMO, através da comissão organizadora, até ao dia 31 de Dezembro de
2015 e serão, depois, submetidas à apreciação do júri, cuja decisão deverá ser
pública na última quinta-feira de Janeiro de 2016, segundo se lê na carta a que
nos referimos.
Deste modo e feitas as contas, a AEMO e
o BCI terão de anunciar, em cerimónia própria, o resultado do concurso/prémio
no dia 28 de Janeiro de 2016. E o jurado deverá fazer a apreciação (completa e
fundamentada?) num período de três semanas e meia.
A avaliar pelo volume de produção em
Moçambique, que tende a crescer cada vez mais, o tempo que o júri tem ao seu
dispor, para fazer uma apreciação rigorosa, tal como se exige num prémio
nacional de grande dimensão como esse, é bastante curto. Uma apreciação
profunda e séria deveria ser feita em, pelo menos, seis meses, sendo abrangidas
obras publicadas no território nacional por autores nacionais num ano anterior
ao da nomeação do melhor livro. Em menos de um mês, o júri só pode, entre si,
debater as conveniências e atribuir o prémio a alguém da sua sorte.
Questões
éticas
Num concurso ou prémio literário, há
também que se ter em conta algumas questões éticas. Primeiro, temos a questão
da preservação da identidade dos membros do júri, que não podem ser conhecidos
até que o resultado do concurso seja conhecido. No entanto, neste “Prémio BCI”,
já conhecemos o presidente do júri, que, paralelamente, participa da
organização e assina a carta-convite.
Segundo, o júri de um concurso literário
tem de ser efémero, sob pena de os seus membros serem conhecidos pelos
candidatos e aliciados para viciarem o resultado. Neste concurso, assistimos à
perenidade de alguns do corpo de jurados, desde que o prémio foi instituído. Vejamos
a constituição do júri, nas seis edições, incluindo esta.
Em 2010, o júri foi composto por
Ungulani Ba Ka Khosa (Presidente), Aurélio Furdela, Gilberto Matusse e Jorge de
Oliveira. Em 2011, Ungulani Ba Ka Khosa (Presidente) e outros cujos nomes não
pudemos obter compuseram o júri. Em 2012, foram chamados a constituir o júri
Ungulani Ba Ka Khosa (Presidente), Aurélio Cuna, Jorge de Oliveira e Aurélio
Furdela. Em 2013, Jorge de Oliveira (Presidente) Aurélio
Cuna e Marcelo Panguana foram os membros do júri. Em 2014, participam do corpo
dos jurados Jorge de Oliveira (Presidente), Aurélio Cuna e Hélder Faife. Em
2015, a presente edição, conhece-se Jorge de Oliveira (Presidente).
A perenidade de alguns dos membros do
júri do Premio BCI de Literatura não pode prejudicar a nossa literatura!
Outra terceira questão ética que se
pode levantar neste concurso é sobre a participação dos organizadores. Será
moralmente correcto concorrer ao prémio um escritor que, ao mesmo tempo, seja
membro da comissão organizadora ou avaliadora? Note-se que, na edição 2013,
Ungulani Ba Ka Khosa ganhou o prémio do qual foi presidente do júri, por três
anos consecutivos (2010, 2011, 2012). Ou seja, mal se retirou do corpo de
jurados, ganhou o prémio. Mera coincidência?
