terça-feira, 5 de janeiro de 2016

“Prémio BCI” atribui-se sem regulamento?

De há cinco anos a esta parte, a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), em parceria com Banco Comercial e de Investimentos (BCI), tem atribuído um prémio de cerca de 200 mil meticais ao autor, cuja obra tenha sido distinguida como a melhor do ano.
Acontece, porém, que de edição em edição, as críticas ao prémio têm aumentado de tom, relativamente aos critérios adoptados pelo corpo de jurados para atribuir o galardão a um determinado autor. Ou seja, os organizadores e os avaliadores do prémio têm sido acusados de não pautarem pela transparência e honestidade em todo este processo que culmina com a indicação da melhor obra literária de todas as editadas num determinado ano.
Diante destas críticas, a Soletras decidiu seguir o assunto, encontrando em contacto com os organizadores do “Prémio BCI de Literatura” para a obtenção do regulamento que rege o concurso, mas todas as tentativas redundaram num fracasso. Ora vejamos:
No dia 7 de Dezembro, às 17:25 horas, depois de nos ser enviada a carta-convite por Jorge de Oliveira, pedimos-lhe que nos enviasse o regulamento do prémio. Mas não obtivemos resposta alguma.
Já no dia 9, por volta das 15:00 horas, telefonamos ao senhor Clemente Bata, do Departamento de Marketing do BCI, para também lhe pedirmos o regulamento, tendo nos dito: “Quem norma este prémio é a AEMO. Vocês devem pedir o regulamento à AEMO. Eles [os organizadores] é que vos devem dar o regulamento. Se não vos derem, eles deverão dizer porquê”.
Seguindo a orientação de Clemente Bata, telefonamos ao senhor Jorge de Oliveira, curiosamente, o presidente do júri do prémio para, outra vez, lhe pedirmos o regulamento. Esta foi a sua resposta:
“O concurso é para obras de autores moçambicanos, publicadas de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro. Agora, para apanhar o regulamento é preciso ir ao BCI e isso vai dar muito trabalho e não sei se teríamos isso a tempo. Mas [o regulamento] não tem nada de especial, é mesmo para qualquer género e para autores moçambicanos”, esclareceu.

Para além destas, a Soletras efectuou outras tentativas, tanto junto da AEMO, quanto do BCI, mas todas elas não tiveram sucesso. Até ao fecho desta edição, nenhuma resposta obtivemos das partes, em relação à disponibilização do regulamento do concurso que distingue o melhor livro do ano.
Mas o que se pretende explorar no regulamento?
O regulamento de um concurso literário é o documento que esclarece aspectos relacionados à natureza, às categorias, à constituição do júri, ao tempo de avaliação, entre outros. Vejamos por partes.

Natureza do prémio
De acordo com a carta que chegou à nossa redacção, o apuramento do melhor livro do ano de 2015, será feito com base nas obras literárias a serem enviadas aos organizadores até ao dia 31 de Dezembro de 2015.
Ora, o melhor livro do ano pode não estar entre as obras que chegarão às mãos do corpo de jurados até essa data. Por algum motivo, uma determinada obra literária, vista como melhor do ano aos olhos do público, pode não chegar aos organizadores.
Por acaso, está prevista, no regulamento, a distinção de uma obra que não tenha sido enviada pelo seu autor ou representante aos organizadores do concurso?

Categorias a concurso
A carta da AEMO, enviada à nossa redacção, diz que são elegíveis a concurso/prémio todas as obras de autores moçambicanos publicadas do primeiro ao último dia do ano.
Assim, o prémio foi atribuído a um livro de romance, em 2010, de poemas, em 2011 e em 2012, de romance, em 2013 e de crítica literária, em 2014, como melhores obras de cada ano.
Porém, na ausência do regulamento, não ficam claros os critérios usados para a eleição anual do melhor livro, no seio de tantos de diferentes géneros. Se se elegessem as melhores obras por géneros, mais fácil e plausível seria fazer comparações dentro da categoria a que a obra concorre, sendo a partir daí eleita a melhor.
Uma eleição por categoria permitiria, cada ano, distinguir o melhor livro de romance, de poesia, de crónica, entre outros, mas uma comparação genérica, isto é, para escolher a obra mais qualitativa publicada ao longo de um determinado ano é como somar banana e laranja (1 banana + 3 laranjas = 4?).

Tempo de avaliação
O tempo de avaliação das obras candidatas ao prémio do melhor livro do ano pode não ser suficiente para uma justa apreciação e decisão do júri.
As obras a concurso/prémio devem dar entrada na AEMO, através da comissão organizadora, até ao dia 31 de Dezembro de 2015 e serão, depois, submetidas à apreciação do júri, cuja decisão deverá ser pública na última quinta-feira de Janeiro de 2016, segundo se lê na carta a que nos referimos.
Deste modo e feitas as contas, a AEMO e o BCI terão de anunciar, em cerimónia própria, o resultado do concurso/prémio no dia 28 de Janeiro de 2016. E o jurado deverá fazer a apreciação (completa e fundamentada?) num período de três semanas e meia.
A avaliar pelo volume de produção em Moçambique, que tende a crescer cada vez mais, o tempo que o júri tem ao seu dispor, para fazer uma apreciação rigorosa, tal como se exige num prémio nacional de grande dimensão como esse, é bastante curto. Uma apreciação profunda e séria deveria ser feita em, pelo menos, seis meses, sendo abrangidas obras publicadas no território nacional por autores nacionais num ano anterior ao da nomeação do melhor livro. Em menos de um mês, o júri só pode, entre si, debater as conveniências e atribuir o prémio a alguém da sua sorte.

Questões éticas
Num concurso ou prémio literário, há também que se ter em conta algumas questões éticas. Primeiro, temos a questão da preservação da identidade dos membros do júri, que não podem ser conhecidos até que o resultado do concurso seja conhecido. No entanto, neste “Prémio BCI”, já conhecemos o presidente do júri, que, paralelamente, participa da organização e assina a carta-convite.
Segundo, o júri de um concurso literário tem de ser efémero, sob pena de os seus membros serem conhecidos pelos candidatos e aliciados para viciarem o resultado. Neste concurso, assistimos à perenidade de alguns do corpo de jurados, desde que o prémio foi instituído. Vejamos a constituição do júri, nas seis edições, incluindo esta.
Em 2010, o júri foi composto por Ungulani Ba Ka Khosa (Presidente), Aurélio Furdela, Gilberto Matusse e Jorge de Oliveira. Em 2011, Ungulani Ba Ka Khosa (Presidente) e outros cujos nomes não pudemos obter compuseram o júri. Em 2012, foram chamados a constituir o júri Ungulani Ba Ka Khosa (Presidente), Aurélio Cuna, Jorge de Oliveira e Aurélio Furdela. Em 2013, Jorge de Oliveira (Presidente) Aurélio Cuna e Marcelo Panguana foram os membros do júri. Em 2014, participam do corpo dos jurados Jorge de Oliveira (Presidente), Aurélio Cuna e Hélder Faife. Em 2015, a presente edição, conhece-se Jorge de Oliveira (Presidente).
A perenidade de alguns dos membros do júri do Premio BCI de Literatura não pode prejudicar a nossa literatura!

Outra terceira questão ética que se pode levantar neste concurso é sobre a participação dos organizadores. Será moralmente correcto concorrer ao prémio um escritor que, ao mesmo tempo, seja membro da comissão organizadora ou avaliadora? Note-se que, na edição 2013, Ungulani Ba Ka Khosa ganhou o prémio do qual foi presidente do júri, por três anos consecutivos (2010, 2011, 2012). Ou seja, mal se retirou do corpo de jurados, ganhou o prémio. Mera coincidência?